Há uma história que vive nos confins da impossibilidade. Não se sabe que artes são precisas para cavar as terras onde ela está sepultadas.
Havia um homem que amava uma mulher. Supõe-se que ela o amava também. Sabe-se que um dia ele a beijou e partiu. Desconhece-se a razão. Isolou-se e passou a escreve-lhe cartas. Escreveu-lhe muitas, até ao dia em que descobriu que estava doente e que pouco tempo lhe restava. Decidiu então deixar de lhe escrever e começou a reviver todo o amor vivido num monólogo interno a ela dirigido, como se de uma última carta se tratasse. Revisitou todo o passado comum por dentro, ao mesmo tempo que lhe revelava a rotina desse isolamento junto a um mar. Um mar que antes fora deles.
Duas perguntas pairam constantemente no relato, o porquê do abandono e da fuga, e a dúvida sobre se ela teria recebido e lido todas as cartas que ele lhe escreveu após essa fuga. E há sempre poemas que ele lhe escreveu ou que ainda escreve mentalmente.
Mais tarde, numa outra finta do destino, uma cura salva-lhe a vida, mas, ao mesmo tempo, descobre também que ela morrera no dia em que a beijou e partiu. Imagina todas as cartas que lhe enviou e que nunca foram lidas. Essa prisão de silêncio leva-o a regressar. Ao voltar, visita a casa dela e descobre então as centenas de cartas por abrir. Dedica-se ao retomar de uma rotina e a revisitar tudo o que lhe escreveu. Fá-lo durante algum tempo, até, que um dia, um homem lhe bate à porta e lhe conta a mais bizarra das histórias.
Conta-lhe que veio de outro mundo, que, na verdade, leu dois livros sobre ele e essa mulher. Leu e releu esses livros, consta que um se chama A Última Carta e o outro Cartas em Silêncio, e que no meio dessas leituras todas também ele se apaixonou por essa mulher. Ficou obcecado. Visitou o autor desses supostos livros, perguntou-lhe quem era essa mulher. Que o autor lhe disse que não existia, que era um personagem de romance. Endoideceu, tentou recriar essa mulher através das mais variadas formas: envolveu-se com todas as paixões do alegado escritor, buscando aí reencontrar traços da mulher descrita nos livros, transformou os romances em peças de teatro e envolveu-se com a atriz que desempenhou o papel, estudou clonagem e manipulação genética, mas nada funcionou. Até que se virou para atividades ocultas e, finalmente, criou um feitiço que lhe permitiu entrar nos livros. E ei-lo ali, em frente do homem que amava a mulher, que a beijara e partira um dia sem razão e que agora estava curado. Desesperado, o homem que bateu à porta, percebeu que chegara tarde, que a mulher morrera. Ficaram dois homens apaixonados na derradeira página do terceiro livro, esse chamado O Homem que se fez Literatura.
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