a sede

bebe até a sede voltar
uma e outra vez
como uma obsessão
e onde saciar é o verbo definitivo e também impossível

uma sede que não se mata
e que insiste em não morrer

a solidão

num dos inúmeros inícios
quando os primeiros seres se refugiavam em cavernas
pintavam o universo nas paredes
tatuavam
com lama carvão e sangue céus e horizontes
ardiam em sonho e alucinações todo o real
nasciam e morriam nesses incêndios dentro dessas mesmas grutas
nunca de lá de saiam de verdade

desconheciam que a morte quando chega
chega para todos no mesmo exato momento
que é quando o tempo se esgota e acaba

e eram ignorantes de que a única escolha que todos temos
é a de poder morrer agora ou morrer mais tarde
não existe outra

e de tão solitários serem
tão abandonados nesses incêndios do espírito
tão órfãos de deuses e de esperança e de acasos
descobriam a solidão em todo o seu esplendor
não tinham a quem rezar
pois eram eles os deuses e as esperanças e os acasos