Não escrevia há meses. A rotina tinha vencido várias batalhas, empurrando-a para velhos vícios de longas sestas, chás e cigarros à janela. Uma ou duas vezes por semana saía para se encontrar com alguns homens e satisfazer os desejos de um corpo que parecia fugir-lhe a cada madrugada de solidão.
Ia lendo e as palavras dos outros soavam distantes na vastidão da alma e no turbilhão do espírito. Voltava ao chá e, por vezes, a um copo de vinho ou dois. Voltava às sestas que duravam uma hora ou toda uma tarde de chuva. Fumava à janela enquanto o gato do vizinho caçava moscas junto ao vidro que separava as varandas.
Quando voltou a escrever optou por um grande verso sem quebra, um verso incompreensível onde as palavras diziam tudo e o seu contrário. Rasgou o que escreveu.
Deixou de dormir sestas, deixou de tomar chá e deixou de fumar. Agora, os encontros com outros homens eram diários. Não escreveu mais nada e o gato não voltou a aparecer à varanda.
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