dia 68

o último verso não terá outro que enviúve nem quem se vista de negro para que o luto se faça

para trás poderão ficar os gatos
um cão talvez
e um eco a roer o fim da noite
mas nada mais

o último verso não se declama
não se lê nem se come

o último verso jaz no chão de uma sala cuja janela aberta dá para o mar
ou na sarjeta num dia de chuva
ou dobrado e guardado num envelope perfumado

o último verso diz a verdade
ou a mentira necessária para que a farsa continue
ou não diz nada porque só não dizendo nada é que se cultiva a dúvida
e a dúvida é o derradeiro orgasmo adiado

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