dia 49

vasculhou as gavetas e folheou alguns dos cadernos por lá perdidos
reencontrou palavras que esquecera e outras que permaneceram tatuadas na pele da alma
releu versos e poemas e textos
tentou reescrever alguns mas a ousadia rapidamente se desfez numa madrugada mais
preferiu a companhia de uma garrafa e de um copo que ia olhando de cada vez que se esvaziava
contou as horas do silêncio e dançou com as sombras da sala
falou com os quadros das paredes e as fotografias cansadas que desfilavam nos móveis
ouviu canções que no passado entoavam nas grandes viagens nocturnas
ia fechando os olhos intermitentemente enquanto o braço ficava dormente até não lhe pertencer mais

e quando o sol ameaçou nascer
deu o último trago da garrafa
arrastou-se até ao quarto
e de pé em frente à cama onde ela dormia
velou-lhe o sono por um momento
sondou as ondas dos lençóis que lhe desenhavam o corpo
a curva da anca
o enlevo do ombro
os caracóis abandonados na almofada
o fôlego onírico ao compasso das estrelas
e toda uma silhueta adormecida ali esculpida como uma aparição
 


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