campo de visão

talvez ela queira que eu escreva sobre ela e de como suas mãos agarram os lençóis quando nos deitamos
ou como cerra os olhos no momento em que não aguenta um suspiro e estremece qual terramoto de pele 
talvez prefira que eu verse sobre sentimentos e lhe diga coisas como os voos de pássaros em manhãs sublimes e me declare para todo um sempre eterno e infinito
ou talvez queira que eu fale por palavras mansas e carinhosas que o amor é nosso e de mais ninguém e que o tempo tudo sara e que tudo se esquece

mas eu já só penso em textos de uma solidão desmesurada de mim e dos outros
sonho o vazio absoluto das poesias e as quietudes derradeiras de árvores que morrem de pé 
nada de pessoal
somente a sina de que são as palavras que me escolhem e nunca o contrário 
exatamente como o acaso ou outros inexplicáveis assuntos
anseio frases de um cansaço que já não suporto
como se o mundo inteiro se afundasse e eu com ele
um abatimento de sopros e de olhares
um poema tão denso de leitura impossível porque a última palavra colapsara sob o próprio peso e saíra do campo de

v
 i 

  s


   ã


    o

gomos de laranja fresca

eu estava um pouco afastado mas conseguia ouvi-lo
ele olhava-a e falava-lhe nos olhos
e os olhos dela eram grandes e sugavam-no por inteiro
ele dizia

teus lábios são como gomos de laranja fresca e eu passaria uma tarde inteira de sol sorvendo essa carne frutada
teu colo é um barco balançando no cais puro das madrugadas e meu corpo entregar-se-ia a esse doce embalar
o meu amor por ti nasceu antes de mim e para lá de mim

ela sorria como quem sorri ao ler versos numa viagem de comboio

eu estava afastado e ouvia
terminei a minha cerveja já morna e saí para a rua onde chovia 

dos lumes

existem incêndios que num clarão se consomem
outros que em lumes brandos teimam
como aquele pôr-do-sol que se alonga no ocaso dos dias outonais 

cada chama no seu ritmo
ondulando ao sabor dos ventos secretos das madrugadas
as fagulhas como eternidades condensadas de loucura
faíscas falhadas que esmorecem em fumo mas sem pavio
órfãs de origem
instantâneas como o amor à primeira vista 

li

li poemas sobre as grandes planícies
onde os nobres equídeos do oeste eram desenhados a galope de relâmpagos
onde a solidão era tão imensa que a chuva nem chegava a encontrar chão

li versos sobre as ondas perdidas dos oceanos
tão afastadas de tudo que sem praia onde rebentar não se desfaziam nunca
onde o sonho era tão profundo que quando acordava ainda a noite me naufragava

li palavras sobre os desertos de areia de há mil anos
onde por únicos nómadas grãos de areia se amontoavam em dunas e pirâmides e miragens
onde o sol queimava a pele por dentro e a sede era tal que por uma lágrima que fosse um homem venderia a alma

trémulo instante

amanhece sempre cedo demais
e as madrugadas expiram quando finalmente são a nossa casa

o êxodo dos animais noctívagos
expatriados da noite lançados às auroras inevitáveis da vida
e como vampiros padecem aos primeiros raios de sol, esfumando-se em vultos das rotinas, de volta aos grilhões da existência 

só os luares mais negros lhes devolvem liberdade

eles sabem que há que olhar o mar como quem olha um poço 
e perder-se nessa queda, despenhar-se na vertigem de um assombro 

como no amor
como na desilusão
como na esperança amarga de um escape

existe algures um lugar onde a noite se prolonga até ao infinito 
onde as promessas são promessas para sempre

onde distância entre os lábios não se altera, ficando ali no trémulo instante entre o beijo e sua intenção

passado

não se agarra uma emoção
ela é água

e semear solidões pacientemente
é uma arte que se perde em passado

e é sabido que num passado não se toca
ele é igual àquelas estátuas de sal e de areia que a lava de um vulcão calcinou e esculpiu
ao mínimo toque em poeira e cinza se desfaz

um passado é uma onda
rebenta e desaparece sozinho

il s'en va tout seul 

dia vazio


deixou passar o dia
nidificou-se no sofá com o deslizar das horas nas brisas silenciosas da preguiça
criou raízes profundas e os olhos em periscópio seguiam a luz fatiada pela persiana numa dança perfeita com as poeiras do tempo que somente cronos sabe coreografar
despertou de noite, desenraizou-se e levou o corpo para uma madruga densa de breu e nevoeiro
saciou a fome de uma ressaca e de um dia vazio
vasculhou esquinas e beijou os lábios da aurora aveludada
ao regressar a casa, sobre o mesmo sofá, os contornos exatos da silhueta que fora momentos antes, breve fóssil de um dia já passado e vencido e irrecuperável

a cova


dedicado ao João, Mário, Miguel e André
companheiros de viagem
inspirado numa obra do artista chinês Wang Gongxin exposta no Guggenheim em Bilbao

começou a cavar um buraco, toda a obra de uma vida. cavou até ao impossível. pazada a pazada cada vez mais profundo. tão profundo até o profundo deixar de ser fundo e ser o seu revés. procurou o sonho louco de, no fim da empreitada, encontrar o céu dos antípodas. imaginou o último punhado de terra a revelar o azul celeste do outro hemisfério. conseguiria olhar o céu olhando o chão. cavou como quem cava a sua própria sepultura para que o seu enterro fosse uma queda invertida, uma ascensão pelo solo.
era um poeta.
só a poesia vence a lei da gravidade.

escrever na areia

Escrever na areia e esperar que uma onda leve os versos de novo ao silêncio profundo do mar. Revelar palavras para as calar e serem elas a essência da quietude. Segredos que se murmuram uma vez e que a espuma das vagas cobre com seu manto salgado.
Nas profundezas dos oceanos, jaz uma biblioteca muda e cega, onde náufragos folheiam as proas dos livros e se remetem a uma leitura eterna de sereias, corais e leves poeiras do que submergiu.
O que se escreve na areia é uma tatuagem ao revés, do avesso, e, ao contrário do que se pensa, no corpo do mundo, ela perpetua-se na pele interior de todas as coisas. Uma autópsia do universo comprovaria isso mesmo. Toda a história do que nunca aconteceu está impressa no dentro do dentro.

madrugada

mil marés depois reencontro uma madrugada e o lento nascer do sol
as brisas da manhã a varrerem um resto de noite e a clarear o olhar

é a hora em que todos dormem ainda no ontem e por breves sílabas o tempo estagna antes de engrenar de novo
um verso em suspenso na corda do horizonte
tremendo perante o corte da aurora em sóis de um orvalho ainda há pouco lunar
não há hoje ainda, existe apenas a esperança de um alento

não é momento de paz nem de assombro
é o absoluto
o derradeiro sopro divino de todas as coisas
a combustão de um cosmos por decifrar
a possibilidade de todas as coisas e de coisa alguma

mil marés depois
a praia ainda colhe as ondas sem hesitar
e há segredos tão bem guardados que ninguém os sabe nem ninguém os soube
os silêncios são tranças e rugas e pele

campos imensos

Vi multidões de poetas a atravessar campos imensos. Iam carregados de inaudíveis silêncios com seus escritos nas mãos. Coisas que ninguém leu e que ninguém ouviu. Eram profetas a cumprir um destino devido. Uma turba de escribas em desalento, descrentes do passado e do próprio talento, iam de olhar denso e cerrado. Caminhavam como que levantados por ventos e tempestades, caminhavam sem parar por esses campos imensos.

do inominável

as palavras aladas são as mais fáceis
as que planam e têm asas e sobre a alma espiam sem lhe tocar

as palavras chãs é que são difíceis
as que chafurdam no mais baixo de nós com as hesitações e os infinitos desalentos que não acabam nunca
com as perdas irremediáveis dos futuros por cumprir
essas são as que não nos escapam e que, no entanto, não são nossas - mesmo se nos tatuam os poros da pele.

a voz que dita no escuro antes de adormecermos, esse turbilhão que nasce num lugar desconhecido e nos arrebata o espírito
ou quando nos deitamos na toalha da praia após um mergulho e não é apenas sol e sal que nos abraça mas também uma qualquer coisa de invisível, de inominável

atravesso silêncios novos de ausência

atravesso silêncios novos de ausência
pensava que os conhecia a todos
mas no jardim das infinitas campas de versos apagados
há sempre mais um segredo que se revela

jazem as palavras que enterrei nos atos indesculpáveis da vaidade
e nos arrependimentos literários que me acometem
são incontáveis as palavras que apaguei e que traí
como também são indizíveis as razões desses crimes e dessas traições
a indignidade de não se dizer uma verdade prevalece perante as ondas do esquecimento

atear ruídos é uma atividade de pirómano lírico
que perante as eternas florestas de poesia
sonha em ver um grande incêndio cujas labaredas engolem nada
para no fim restar somente uma chuva de cinza de poeira e de solidão

sei agora que os regressos são obras inacabadas de toda uma vida
e que o tempo é o mar que nos banha em silêncio

sobram nós górdios por todo o descampado da minha existência
e a espada que empunho tem o peso todo do passado e ferrugem semeada pelo milenar sal do mar

nunca és tu que escolhes

a tua obsessão com pequenos desertos de papel por desbravar e uma sede imensa de silêncio a percorrer-te as mãos

ofegante, lanças-te em direção a um horizonte trémulo e esvais-te em suores lunares feitos de uma noite coada pelo lento correr das horas

a inquietação constante a murmurar nas esquinas
como o sopro subtil da criação
um murmúrio ditado numa língua desconhecida mas que faz sentido

eis-te, então, perante um dilema
rendes-te ou lutas?

por vezes rendes-te
por vezes lutas

mas de todas as vezes nunca és tu que escolhes

havia um jardim

sobre o amor ouvi contar uma história

que havia um jardim e o suave despertar de perfumes florais
que as manhãs se alongavam em luz e que num banco coberto por sombras
os amantes se encontravam

e era só isto
que quem seriam e o que se diziam nada se sabia

pouco importa
porque do amor já tudo se sabe
já tudo se disse
e já tudo se errou e tudo se acertou

do amor já tudo se culpou
e já tudo se perdoou

só os cenários mudam

e nesta história havia um jardim, um perfume e um banco onde eles se encontravam

Pequena trilogia do nada

1

Nada melhor do que uma trilogia para o regresso do silêncio. O sono profundo a que te dedicaste ultimamente tem vencido, dia a dia, a tua apatia perante as palavras. Continuas dedicado ao adiamento de ti. Esse marasmo que conheces desde os inícios, esse morno tédio do escoar do tempo que se adensa como um nevoeiro que não se esfuma nunca.

2

No entanto, tudo o que não escreves vai-se acumulando nos lugares secretos do universo. Textos órfãos do indizível. Pernoitam lado a lado com todas as promessas não cumpridas. É sabido que uma promessa que não é cumprida é o primeiro passo para a loucura. Quantos não sucumbiram face aos pactos quebrados com a derradeira honra de cumprir com a palavra dada? Não sei se um poema perdido não será também o princípio de uma queda. Talvez seja impossível vencer o combate contra o esquecimento. Mas, por outro lado, o que importa, se calhar, é, tão somente, o combate em si e o gesto definitivo de se tatuar versos no dorso da quietude. Confrontar esse sangue com o nosso sangue, pensar as feridas e as cicatrizes como testemunhos que ecoam para todo o sempre, qual vestígio de lendas. Isso, saber fabricar um rumor, um suspiro que de ser tão ténue, consegue escapar aos cataclismos incomensuráveis da eternidade.

3

Nada.

o náufrago

do que vi relembro luares surgirem e luares enevoarem
o sol nascer e o sol a pôr-se
e assim
talvez tudo tenha visto

sei que me sujeito ao comando das insónias e do sono e do amor
que na cama
qual náufrago
procuro sempre terra
que me contento com um toque suave de quente humanidade para me guiar nos sonhos
e que nas noites em que me falta
à deriva fico até o dia se cansar de acordar e comigo dado à costa qual tronco de figueira milenar
abandonado na praia deserta

mais vezes deveria ter eu aberto a janela de frente para o mar
como quem abre a alma inundada de luz
para que um vento de norte sussurrasse os segredos que me faltam e enfim soubesse de que é feito o silêncio

da intransigência

não serei outro que não eu nas derradeiras coisas desta vida
sou intransigente face a isso
um sacrifício não pode ser imaginado sobre uma mentira
isso é fácil e cruel

não serei cruel
falta-me essa vocação, esse talento, essa artimanha

sou talvez fraco de espírito nas coisas mundanas
talvez ceda ao egoísmo do imediato e me perca na sombra do que penso de mim
mas renuncio a qualquer compromisso com a ilusão do que foi forjado pela verdade e pela entrega e pelos erros e pelos falhanços e pelos sucessos e por tudo aquilo que faz uma existência

aceito o silêncio que me aceita
em paz e em comunhão
mas jamais calarei
por tratado ou convenção
por pacto com qualquer demónio de coisas vis
a vontade de um afago ou gesto de bondade inocente

não sei


não sei que perfume esvoaça desses versos  que me tatuas no corpo
não sei que dança se curva sobre mim pelos teus gestos silenciosos no escuro do quarto
não sei que língua fala a tua língua na minha boca húmida
não sei que passado foi o meu sem essa ignorância nova

não sei o que não sei
e tudo isso me chega
tudo isso me sacia insaciavelmente

serás a contradição que me faltava
o enigma que me era destinado
e a interrogação que nunca se revelara

com isso, és, no fundo, uma divindade sem quereres, pois da tua costela imaginária moldaste-me à imagem de mim
criaste-me um outro eu, feito de suor e de carne e de beijos e de entrega

resta-me descobrir-me, desnudar-me

esperar para não saber de vez

indizível

existe um silêncio alienado nos corredores dos hotéis
uma penumbra de silhuetas difusas que me falam nos entretantos

o que dizem ainda não entendo bem
mas todas as histórias que valem a pena começam no indizível

sem tudo


das coisas que temos
e das coisas que nos têm
do que escolhemos
e do que nos escolhe a nós

ficamos com nada
ficamos somente
sem tudo

com sangue


diante, uma vez mais, de um imenso mar deserto
o assombro do silêncio inteiro por dizer

as palavras não têm átomos
sua essência é de uma outra dimensão e somente a alma as pode decifrar

o enigma é esse
como demonstrar que o espírito se torna coisa vindo do nada?
como provar que a poesia é alimento invisível do espírito?

como escrever senão com sangue?

dia mundial da poesia

por ser o dia mundial da poesia
forcei a escrita

mas esqueci que o milagre é sentir a queda vertiginosa do que é a própria poesia

poesia
que era poema
poema que era verso
verso que era palavra
palavra que era letra
letra que era silêncio

silêncio
silêncio
silêncio

nuvens

nuvens
leves e suaves escamas de céu
frutos de um outro mar
seres de um oceano etéreo

ora esfumam-se ao longe em suspiro de sol
ora esvaem-se em chuva de prantos invernais

quando à terra descem feitas neblina e brumas sebastiânicas
é um outro rei que se vislumbra
Artur e sua derradeira espada

Excalibur
é na verdade uma pena com toda a poesia possível
Camelot e os cavaleiros
um caderno vazio e uma irmandade de poetas

as nuvens não são nuvens
são a promessa da infinita beleza da liberdade e de todos os versos por dizer
são o lugar preciso entre o silêncio e o uivo ancestral da poesia

sem título

dás por ti coberto de uma pele que nem sabias ser a tua
pelos poros uma lembrança insiste em invadir-te
e pelos lábios uma água nova inundou-te com fogo
afogas-te nessa noite recente onde um relâmpago clareou um chão de sala, um sofá e dois copos vazios
porque há sedes que não se saciam

na tua boca e nas tuas mãos ainda sentes a sombra incandescente de uma flor cor de verão que brotou de surpresa gravando no olhar a sua silhueta leve e desconcertante

já te perdeste
não há mapas nem bússolas nestas coisas

38

38
assim feitos

poderiam ser outros trinta e qualquer coisa ou sessenta ou vinte
que importa?

no dia a seguir à morte de Stephen Hawkin que detalhe inútil é este de uma idade?

sem sequer ousar entrar na inteligência do que ele alcançou e revelou, ouso, pelo menos, na intuição de ser humano, entender que o tempo é somente poesia

o correr de um verso para outro
e que nesse correr, espaço digamos, se curva, se move e se expande segundo leis que já cá estavam

não sei
talvez possa dizer
do alto dos 38
que o tempo não me apanha nem me restringe
que antes comunga comigo o destino da eternidade
ambos livres e prisioneiros de paixões e vontades
filhos do que é belo e infinito

de lanço

de lanço
como que num impulso fazer a lua ser sol em plena noite e iluminar tudo de uma vez com um verso
colher o relâmpago que ziguezagueia nos teus olhos e beber-te pelos lábios sem que tenhas tempo de dizer palavra

teres-me ainda antes de eu poder inspirar
roubares-me o ar no antes de qualquer coisa
no antes do tudo

que a nossa rendição seja a mais violenta das paixões
que nos esgotemos em nós
mais do que juntos
fundidos
derrotados perante a vitória da nossa insanidade

sermos mil ventos a ressoarem pelos nossos corpos num vendaval de suor
sermos carnificina de afagos
para que das nossas carcaças possa o silêncio mais denso brotar quando nos abandonarmos ao sono

desfaçamo-nos para renascermos puros e lavados como uma manhã depois de uma tempestade

o que é eternamente fugaz



começa quase sempre com um vulto
um recorte de penumbra e de sombra sobre uma parede
um corpo desenhado pela luz e contraluz

e tudo isto entra-me pelo olhar

é uma lembrança nítida na sua indeifinição

não sei explicar de outra forma que não seja por uma memória de um cheiro e de uma réstia de um calor morno e preguiçoso sob a pele

isso
um espreguiçar do teu corpo numa manhã esplendorosa de sol a inundar-nos da janela
o teu pescoço e o lento bocejo discreto da tua alma derramada sobre a minha
uma paz absoluta de que a perfeição é real e que se esfuma na mais terna das melancolias

o amor é isso e pouco mais
e o pouco mais é acessório
o que conta é o que é eternamente fugaz

o silêncio de uma cama desfeita de nós, por nós
o mar do outro lado da rua e o horizonte preso no fio leve de uma navalha feita de céu e de brumas
os teus lábios a descolarem-se tão lentamente que o próprio tempo estagna-se a si mesmo e é como se tudo durasse para sempre

e no início era um vulto
um nevoeiro impreciso e ainda assim tão certeiro, tão verdadeiro como que velho de mil milénios e mil mundos

o espectro do teu ser na revelação do teu corpo nu e perfeito nas palmas da minhas mãos e no meu mais profundo e intenso assombro

dou por mim longe de mim, fora de mim e para lá de mim
o milagre que és é a evidência de que somos feitos de brisa, de sede e de versos
por isso voamos em segredo, bebemos em loucura
e por isso nos despenhamos incandescentes em cada segundo de uma paixão

"desansiar-te"


aos poucos vou-nos coando nesta minha peneira de versos
um bolero de um só sentido
do clarão do que fomos à ténue penumbra de um futuro sem ti
esbatido no mais pardo dos timbres
como um nevoeiro esfumado onde a luz se esbate até ao infinito

esta ideia de desansiar-te
na certeza de que as palavras o vento as leva
mas certo também de que se as leva não as apaga
não as despalavra

todos temos os nossos pequenos lutos
e deslutar-te de mim é um caminho que se faz numa estrada silenciosa
inimaginar-te para poder despadecer de ti

talvez procure, à força de poesia atabalhoada, desescrever-nos e  destatuar-te
como se para evitar um olhar bastasse cerrar os olhos
mas não
um olhar que nos entra na alma é um feixe de luz que não se paga nunca
é um farol definitivo no mar do espírito
por isso é que é pelo olhar que reconhecemos alguém

desreconhecer-te, fazer de ti um novo rosto e um novo corpo para amar
pois ninguém desama de vez

mas isto não é sobre ti
isto é sobre mim e sobre a forma de me desinventar pela escrita
de saber que o que resta é mais que uma carcaça e do que um longo deserto sem sombras
saber que o que resta é muito mais do que apenas passado

todos estes desqualquercoisa são um lento correr de poesia
verso a verso como um bálsamo para desansiar-te
e insistir
bem lá no fundo
em desviver-te

um nada



talvez chova profunda e silenciosamente num lugar longínquo
e poderá ser que o gotejar da água acorde velhos versos adormecidos

as palavras elevam-se ao ritmo de uma planta
possuem a sua própria escala temporal e enraízam-se nos seus próprios ciclos
dão frutos de sabores etéreos cujas sementes caem do céu como cometas em fogo
e noites há em que o firmamento negro rompe-se em rimas livres ecoando no alto da copa das árvores

quando se cala a chuva inicial de inspiração
reina o silêncio
como quando dois corpos se descolam após o amor
faz-se eternidade breve
inalcançável
por instantes sentimos uma vaga muda a balançar ao sabor de um rumor em queda
desvanecendo até ao mais definitivo vazio
um nada

ser-se



deve ser lenta a poesia
como um cair de folha outonal
em voo de elipse por entre neblinas e sombras

deve encontrar a voz exacta, o tom certo e o timbre definitivo do silêncio do que é dito

pode cobrir-se de penumbra em lençóis aveludados e espraiar-se ao sol até ser cinza e poeira uma vez mais

e a poesia deve também ser o reverso de tudo isso

deve ser veloz e invisível
explodir numa tempestade e erguer mil sóis nas noites densas de breu e de frios antigos
pode ser combustão instantânea de incêndios e paixões enlouquecidas
pode ser grito estridente ou o uivo derradeiro de lobos sob a maior lua de sempre

a poesia deve ser

deve ser-se

um caderno

Perdi um pequeno caderno onde escrevia. Não sei, perdi-o. Não que o tenha procurado muito, mas a verdade é que não está nos três ou quatro sítios onde pensava que pudesse estar. Um acontecimento destes há uma década atrás, ter-me-ia naufragado a alma. Andava eu, nessa altura, agarrado ao que escrevia (que não era assim tanto) como se fosse parte de mim.
Sendo agora, até me parece que essa perda me agrada. Igual aos mitos dos grandes poetas que acendiam cigarros e charutos com os poemas que escreviam, ou as inúmeras lareiras que ardiam em literatura para sempre perdida.
Um verso que arde ou que se perde de vez, é um verso que se cumpre definitivamente. Se escrever é atear uma chama ou perder-se irremediavelmente nela, nada melhor que um incêndio ou um esquecimento para que o destino se realize totalmente.
Do silêncio nasce ao silêncio regressa.
Concebamos todas as leituras que nunca chegaram a ser, todo o silêncio sobre o silêncio, camada e mais camada, pele sobre pele de corpos mudos.

Reencontrei o caderno. As palavras nos sítios onde as deixei, não ocorreu o milagre de alguém as reescrever. No fundo, perdidas já estavam elas e perdidas continuam. Para além de um incêndio, a poesia é uma perdição constante. Ela é um lento voo de pássaro sem rumo.  

dos absolutos



Uma vez mais sorver o privilégio de ir ao Douro. Mil vezes se disse e mil vezes mais se dirá que ali é o lugar da beleza absoluta, expressão cunhada pelo Torga. Escrevi uma vez, no meu atabalhoamento típico, que era a beleza absolutíssima. Agora, refém do limite do que posso escrever mais, ocorre-me apenas o assombro de dizer a beleza absoluta, absoluta, absoluta e poderia ir ao infinito da repetição que cada camada mais seria insuficiente.
Aqui, na eternidade de xisto, cresce vinha e faz-se o mais extraordinário dos vinhos. As cepas são regadas a sangue, suor e lágrimas, gota a gota desde há milénios, e talvez por isso seja tão generoso e fino o mosto. O sol que se derrama vindo a 8 minutos luz de distância, cai sobre a planta e é coada pelas folhas e raízes e, num lento ciclo, em fruta se vai concentrando até ser colhida à mão.
Um rio testemunha tudo isso e há um silêncio que se ouve pelos séculos fora.
Aqui, o milagre é feito de gente, pois pedra se partiu, se rasgou e se acumulou em terraços, vinhas se plantaram em socalcos que se erguem até ao céu.
A beleza absolutamente absoluta.


fenda

Dizia o Cohen que tem de haver uma fenda e que é por lá que entra a luz.

There is a crack, a crack in everything. That's how the light gets in.

Talvez as fendas estejam por todo o lado.

No céu.
E por ela chove uma torrente de palavras ilegíveis que se acumulam em versos dispersos nas ruas vazias.

No olhar.
Não sei que luz arde nos teus olhos nem que incêndio é esse, mas seguramente provém de uma abertura junto à alma e é por lá que ela se escapa com seus lumes e lavas, avançando pelas íris em labaredas cor de mel.

No espaço entre quem se ama, onde o próprio ar se lasca e estilhaça com mil sóis a reluzir e a vibrar em sombras luminosas, caleidoscópios derramados por paredes imaculadas.

Nas palavras, a seiva que percorre lentamente letra a letra, sílaba a sílaba, até brotar na ramagem infinita de significados.

A fenda por onde passa a luz, camada a camada, feixe a feixe, serpenteando no ar, bailando em suspensão de poeiras finas e loucas, qual poção mágica de alquimistas e druidas.
 
A fenda, a ferida, o acaso necessário para que passe luz, para que se faça luz numa quebra qualquer no manto que tudo cobria até alguém ter escrito um verso ou dado um beijo.

a cinza do nosso luto

todo um emaranhado de luz e sombras balançando sobre as paredes
o teu corpo, já ausente, não deixa de se esvair sobre a cama vazia
como se a tua fuga não terminasse nunca

o desenho da tua presença esfumando-se pelo quarto

e eu a olhar tudo isso que já não existe

sempre essa luz em manhã perfeita, sempre uma doce brisa melancólica a esgueirar-se pelas cortinas da janela, felina e parda

o eco do amor da noite ainda a ressoar no tecto e nos cantos esquecidos
como se os nossos beijos fossem tatuagens de vertigem e arrepio

confesso que de cada vez que sais, ainda antes do sol nascer, e me abandonas em sono esgostado
espio a tua partida, comungo de teus gestos pausados enquanto te vestes, te calças e sais
e quando a porta se fecha em suspiro fico deitado à espera desta luz que agora invade o quarto

quando me levanto, imito a tua rotina e acabo por sair também

fica a cama desfeita de nós, um rumor do nosso suor a murmurar e todo um silêncio luminoso a espraiar-se pela manhã

pergunto-me se quando ambos desaparecemos esses quartos existem todavia
se sem testemunhas os lençóis ainda se contorcem e se o mar entra pelas janelas abertas e inunda tudo isso, afogando de vez a madrugada em esplendor de passado, de lembrança

talvez escreva por isso, para deixar um vestígio mais dos incêndios das nossas noites
que não sejam apenas os nossos corpos solitários a prova de que é possível o milagre de dois corpos entrarem em combustão
que a poesia também seja a cinza do nosso luto
a poeira de sal e enxofre
e de que também se criam estrelas e galáxias em quartos virados ao mar
e não somente nos infinitos cósmicos

o tal silêncio que se diz

trava-se um duelo permanente entre tudo o que escrevo e tudo o que não escrevo
é uma batalha entre o silêncio que se diz e todo o ruído que se estagna em mudez
 
o que escrevo é uma ferida no tecido pantanoso do que vivo, dilacera a aura do tempo e perpetua-se como a incandescência de se olhar o sol de frente
 
o que não escrevo é a cegueira que vem depois e o esgar de uma dor, que de tão forte parece que nem chegou a ser
 
é certo, no fim, vence a quietude e o derradeiro esquecimento das coisas
mas creio que uma palavra, mesmo que derrotada nestas guerras, deixa sempre um eco a ressoar pelo universo
a voz não se cala nunca, mesmo moribunda, mesmo cadáver, fica sempre uma pegada no firmamento e nos solos que pisamos
 
não tenho provas do que afirmo
mas quando olhamos o longe
o horizonte balança sempre ligeiramente
e quando olhamos o céu
as estrelas cintilam também
quero acreditar que é a poesia a versar
a ser o tal silêncio que se diz
algo impossível de não existir

pórtico

a ideia de que se pode agarrar uma emoção
de a ter nas mãos como um punhado de areia quente
de a agarrar até ao sangue
tingindo-a de escarlate e penumbra
senti-la não só na alma mas também no corpo como um estremecer do âmago
um sismo orgânico
qual vertigem sensorial
poder falá-la, descosê-la da língua subterrânea do espírito e estendê-la em versos com a força de mil ondas
num maremoto lírico sem igual

tatuar essa emoção em cada canto de ruga
torná-la o mapa visível do meu destino
breve cataclismo do que própria matéria pode suster
um pórtico entre o que à alma pertence e o que à terra diz respeito
uma janela para esse limbo que um olhar por vezes também desvenda

metamorfoses pronominais


Neste preciso momento, se me pedissem uma palavra, uma só palavra
derradeira e definitiva
diria

ela

Tempos houve em que se o mesmo pedido ocorresse
a palavra teria sido

tu

e

tu

rebentava-me nos lábios, na boca e na alma. Agora, esse
enlouquecimento
anoiteceu em deserto e em silêncios subtis de madrugadas

ela

é uma
deslembrança
que me povoa, uma ausência e uma impossibilidade sem tempo.

Nos bastidores indizíveis de uma língua, as palavras não escapam à verdade das suas próprias regras.
ela é ela e tu foi tu.

Só a poesia é capaz da mentira, dos ses e das metamorfoses pronominais.

Na vida tudo pode mudar, até os pronomes.

após


Por vezes, logo após um assombro de inspiração, um vasto mar vazio e silencioso ergue-se no horizonte das esperas.
Correm brisas e, por momentos, as próprias sombras existem sem que haja um corpo para as desenhar. A luz não é coada por obstáculo algum.

quietudes nocturnas

O que tens para mim?

palavras

Aceito. Aceito tudo. Apenas te nego os nadas.

pois, mas são palavras de nada que tenho para dar
ausências, savanas silenciosas sobre mantos de penumbra

Nunca amanheces?

raramente
a minha madrugada é quase sempre permanente
eterniza-se e quando penso que a noite ameaça diluir-se, um vento de breu levanta-se e volta a cobri-la
fico refém das quietudes nocturnas


E quando calha de o sol nascer?

é tarde
o mundo é um deserto e só estou eu esgotado de insónias, vazio


E dormes então?

morro
como um derradeiro desmaio
o meu corpo estende-se por uma praia, torna-se areia dispersa
quando volto a mim é noite uma vez mais e recomeça tudo de novo

Nunca te velaram esse sono?

talvez, uma vez
julgo que sonhava e que havia uma vaga de carinho a banhar-me mas todo eu permanecia à deriva
a minha pena é naufragar sempre, para sempre
sou bússola sem rosa nem brisa nem rumo

Aceito tudo mas nego esses teus nadas.

eu sei
mas nem os nada são meus para os poder dar
e, no fundo, o que é que se pode dar a alguém no fim de todas as contas?

Uma mentira.

ah, sim
mas dar uma mentira é o mais fácil
a mentira não necessita de ninguém a cuidá-la
é erva daninha, praga, ferida cuja cicatriz não sara

É tudo assim tão triste então?

não
é tudo melancólico como um banho morno
é tudo uma balada, uma nostalgia que não se cumpre, uma saudade de tudo o que não chegou a ser e a certeza de que nunca mais será
no entanto, há também o conforto de que se imaginou algo de maravilhoso, de glorioso, único e só nosso
os impossíveis que nos pertencem e que guardamos como tesouros secretos
a eternidade dessa vertigem, mesmo que durando um breve instante, fica para sempre, tatua-se num eco que resvala pelos confins disto tudo

ensaio sobre notas de prova de vinho do porto

vinho do porto vintage


os anos passam mas o ano da origem prevalece
o calor do xisto, as curvas das castas, o Douro nesse preciso momento, o mineral e o telúrico juntos para sempre
o púrpura desvanece
abrindo ligeiramente, pouco a pouco, despindo-se do escarlate e revelando, no limite da orla, uma tez de bronze e de floresta
a fruta vermelha, negra, fresca, ácida, amacia e em compota se concentra, arredondando-se e inundando os sentidos
camada a camada outros aromas acordam, folhas há muito caídas, cogumelos que despontam e delicados perfumes fumados em veludo se cobrem, como novelos de cetim e seda desenrolam-se no manto do paladar até ao impossível de uma lembrança


vinho do porto tawny


é um jogo de paciência pois o tempo não se engana nem engana
há que esperar
deixar lentamente o que um dia foi uva se torne passa
e que a passa se afine como vinho fino que é
e cada década que se esvai mais generoso se torna de generoso que sempre foi
a fruta que foi vermelha, negra e ácida, sonha agora em modo outonal
é fruta seca de avelã amendoada e nozes de cheiro a pinho
é fruta cristalizada em raspas de citrinos adocicados
a as cores alouram-se, douram-se como um pôr-do-sol que não acaba
e o vinho que se casa na pipa respira pelo carvalho avinhado
e na boca prolonga-se, quanto mais velho mais nos fica, mais tem que contar
e chegam-nos as especiarias longínquas, mascavadas e exóticas
e na contradição do doce amargor surge até um toque de café
no corpo adensa-se, concentra-se
e nos que a muito velhos chegam, com mais de um século disto
é gota a gota que se fundem em mel e em sombra cerrada de laivos de um sol mortiço
funde-se, implode
até na língua ser o que são os cataclismos cósmicos
sinestesia interminável

das canetas

Cada vez que me calha uma caneta diferente, brota-me dos dedos a obsessão de escrever, de lhe destapar o sussurrar e sentir os murmúrios. Deslizo pelo alvo de um papel, é um vício, uma condenação, uma inevitabilidade.
Curiosamente, sou um perdedor de canetas inveterado, semeio-as no esquecimento de um lugar perdido. Das que gosto, quando as perco, fica-me um silêncio desolador nas mãos e as palavras choram-se (sim, reflexivamente), esfumam-se.

alto mar

e um mar de sombras
onde as ondas se elevam como crinas de cavalos selvagens
chegando a uma praia de luz
espraiam-se em línguas de penumbra desenhando silhuetas numa areia tão branca que julgamos ser feita de nuvem

e as tempestades nascem ao largo em vagas imensas que são elas próprias oceanos inteiros despenhando-se no céu mesmo junto à linha do horizonte
dobrando-a como uma corda de guitarra
e os estrondos que provocam são hecatombes em si mesmo
gerando outras montanhas de breu
escurecendo o sol
atenuando-o numa lua pálida por trás da poeira celestial

em terra
abrigado
assisto a tudo isto
e penso no que poderia sentir e eventualmente escrever
mas não sinto nem escrevo
e nesses nadas um outro cataclismo se ergue
mais imenso mais infinito do que aquele que vejo
há no marasmo do silêncio as combustões de todas as estrelas e galáxias
todo amor e toda a desilusão

e recordo o que li uma vez num sonho de uma mulher

talvez não te tenha amado em certos momentos em que te amava e talvez te tenha amado noutros momentos em que tu te apagavas
desses desencontros de há mil anos
semeámos a quietude que agora grita em alto mar

lobos

No céu, ao longe, gaivotas voam cortando nuvens e tons de azul. Sobre os telhados, existem lobos que esperam a noite. Uivam em silêncio, e esta aparente contradição explica-se pela lua invisível que não desponta. Esses lobos habitam em versos que eu não escrevi, e são a derradeira alcateia a velar sobre a poesia. Guardiães de palavras e do peso que estas carregam. Têm nos olhos todas as histórias de amor, todos os beijos e todas as vertigens da alma. Movem-se juntos pelos telhados das nossas casas e aninham-se em cantos de penumbra quando o sol queima ou em abrigos quando a chuva cai. Noites há em que o uivo deixa de ser silencioso e rasga todo o firmamento, vibrando pelas paredes do que somos e estilhaçando a nossa alma como quando cedemos a um abraço ou carinho.
Os lobos não se domam, são a ultima fronteira do que é ser livre e apaixonado. Os lobos são fogo, incêndio de vida, cataclismos permanentes, como lá nas profundezas do cosmos, quando as galáxias colidem.

Paraíso Infantil


Acho que já escrevi sobre ela antes. Mas agora nem é bem sobre ela que escrevo.
Na avenida da Boavista havia um infantário chamado Paraíso Infantil. Andei lá dos 3 aos 5 anos e esta fotografia, tirada hoje durante uma corrida matinal, leva-me a voltar ao tema.
Lá encontrei o meu primeiro amor. Chamava-se Suana era loira de olhos azuis e vivia nos prédios brancos. Isto do era loira de olhos azuis e vivia nos prédios brancos ficou tatuado no meu dizer até aos dias de hoje, como uma expressão idiomática orgânica. No fundo, não há outra forma de eu a mencionar (nunca mais a vi, e isso não é importante, pois revi-a em alguns outros rostos e belezas)
E o que me espanta é que aos 3 anos já era possível o amor. Não a correspondência do mesmo, isso é, ainda no presente, um mistério por desvendar, mas a ideia do amor perante a beleza. Sabia-o, já nessa altura de criança, que no pasmo da alma perante a beleza, a absoluta rendição era possível. E tudo isto é algo de subjectivamente abstracto mas real, como uma vertigem no corpo e no âmago do espírito. E se me explicasse melhor, diria que é algo meu, algo que senti nessa altura diante uma "mulher" demasiado bonita para que o olhar pudesse suster tamanho assombro. Não é sequer um sentimento, é um sismo silencioso, um arrepio. Um reflexo.