ensaio sobre notas de prova de vinho do porto

vinho do porto vintage


os anos passam mas o ano da origem prevalece
o calor do xisto, as curvas das castas, o Douro nesse preciso momento, o mineral e o telúrico juntos para sempre
o púrpura desvanece
abrindo ligeiramente, pouco a pouco, despindo-se do escarlate e revelando, no limite da orla, uma tez de bronze e de floresta
a fruta vermelha, negra, fresca, ácida, amacia e em compota se concentra, arredondando-se e inundando os sentidos
camada a camada outros aromas acordam, folhas há muito caídas, cogumelos que despontam e delicados perfumes fumados em veludo se cobrem, como novelos de cetim e seda desenrolam-se no manto do paladar até ao impossível de uma lembrança


vinho do porto tawny


é um jogo de paciência pois o tempo não se engana nem engana
há que esperar
deixar lentamente o que um dia foi uva se torne passa
e que a passa se afine como vinho fino que é
e cada década que se esvai mais generoso se torna de generoso que sempre foi
a fruta que foi vermelha, negra e ácida, sonha agora em modo outonal
é fruta seca de avelã amendoada e nozes de cheiro a pinho
é fruta cristalizada em raspas de citrinos adocicados
a as cores alouram-se, douram-se como um pôr-do-sol que não acaba
e o vinho que se casa na pipa respira pelo carvalho avinhado
e na boca prolonga-se, quanto mais velho mais nos fica, mais tem que contar
e chegam-nos as especiarias longínquas, mascavadas e exóticas
e na contradição do doce amargor surge até um toque de café
no corpo adensa-se, concentra-se
e nos que a muito velhos chegam, com mais de um século disto
é gota a gota que se fundem em mel e em sombra cerrada de laivos de um sol mortiço
funde-se, implode
até na língua ser o que são os cataclismos cósmicos
sinestesia interminável

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