nesses lugares gastaram-se as palavras todas
largos desenhos de gestos vazios e olhares distraídos
a chuva caindo sem parar
o silêncio profundo das almas mudas semeadas pelas ruas
num vai e vem sem origem sem destino e sem rumo
apenas ruínas do que foram
se é que foram alguma coisa num antes esquecido
a quietude é imensa
e sob a chuva velha reina uma apatia adormecida
esvoaçam os desenhos e as silhuetas dos acenos
perdem-se ao longe no firmamento os olhares do mundo inteiro
melodias ténues ondeiam pelas esquinas
o tempo faz-se bruma esfumando-se pela madrugada que tarda em amanhecer
e sobre o oceano uma luz imaginada estrelando o mar em mil sóis reluzentes
mesmo sem palavras vão-se dizendo coisas
e o silêncio fulmina emoções
daquelas que corroem os espíritos e enlouquecem os seres
sem palavras todo o impossível acontece
II
sem palavras todo o impossível acontece
secretamente
veladamente
por entre os silêncios mais subtis
como as brisas e os indícios dos crimes por resolver
neste infinito de sermos e de estarmos por aqui
ergue-se um chão para o qual ruímos em queda
eterna
a alma quase palpável
maleável
revela-se no fundo do nosso poço
e atabalhoadamente
ousamos manusear esse tecido divino da solidão
da mais profunda solidão
como se a melancolia por momentos se ouvisse no ar
e num só embalo nos sorvesse em deslembranças
sem palavras
existes tu e todo o estremecimento que me és
como um rumor de dentro
um vulcão que não dorme nunca
na mudez do cosmos
na incomensurável lonjura das cassiopeias
no mais escondido canto do mundo
a possibilidade de todas as coisas jaz
ainda que ténue
ainda que esmorecendo a cada instante
mas a esperança é a última coisa a morrer
seja a esperança das coisas belas como a das mais ignóbeis
em palavras todo o possível não acontece nunca
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