a metáfora

desceu à rua como habitualmente
cumprindo a rotina velha de mil manhãs passadas
comprou o jornal e foi sentar-se num banco de jardim

do mundo as notícias de sempre
do jardim os pombos do costume

às pessoas que passavam acenava subtilmente
algumas retribuíam outras distraídas não

para além do jornal sobre o banco revelava-se também uma frase cravada na madeira
um amo-te Pedro sobressaía
declaração anónima mas definitiva

sorte a do tal Pedro
ou não que isto do amor nunca se sabe

um pombo mais atrevido debicava-lhe o chão perto dos pés
balançava o pescoço aos soluços para avançar
da rua um carro com pressa lançou uma rajada que fez tremer os ramos dos arbustos e das árvores vizinhas
e foi então que recordou a história de uma metáfora

que existe um tipo de árvore na savana africana cuja sombra da folhagem é tão densa
que quando o sol do zénite lhe cai em cima
projeta por baixo da copa uma sombra que parece feita de noite estrelada
a fina luz que passa é somente uma subtil poalha de luzes frágeis por entre os ramos e folhas
quem aí se deita e eleva o olhar espreitando
confunde dia e madrugada

imagine-se
em plena savana ao sol do meio-dia sob a sombra de uma árvore e julgando ser noite

levantou-se 
regressou a casa
a rotina chamava-o de novo para ser cumprida


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