indigno de amanhecer

houve um tempo de manhãs consumadas
de um lento acordar onde o corpo despertava antes de tudo o resto

sobre a cama os rumores da noite anterior já esmorecidos
e a ausência a impor-se com o silencio da solidão reencontrada

na véspera povoaste-te de suores roubados
de carícias e atrevimentos apenas possíveis num desespero de sentires alguma coisa
qualquer coisa

mas as manhãs trazem o peso de um arrependimento
um arrependimento não passado mas futuro
como se o remorso viesse do porvir
como uma anunciação de que
mais cedo ou mais tarde
começarias a acordar e já o sol se teria posto
e a tua vida seria sempre uma noite ou uma madrugada mais

as manhãs ainda te assustam hoje
e talvez esse medo não se apague nunca
porque a manhã é um mundo perdido e longe
afastado do que os vícios te tentam

as manhãs são proibidas aos teus olhos
pois és esquivo de ti mesmo e a noite e as penumbras oferecem-te um ninho

porventura não te julgas digno de amanhecer

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