dia 164

Tinha por costume falar com os mortos. Era uma tradição que herdara de uma avó e que mantivera ao longo dos anos. Provavelmente não passará o hábito a ninguém. Os filhos há muito que não os via e os netos não chegou sequer a conhecê-los.
Isto de falar com os mortos, não era bem falar com os mortos. Tratava-se mais de um sopro ao ouvido. Aproximava-se dos corpos e sussurrava-lhes uma qualquer lengalenga.
Um dia, depois de várias bebidas partilhadas, contou-me que nunca nenhum dos mortos se indignara com o que lhes segredava, que nunca nenhum se emocionara, que nunca nenhum regressara.
Estranhamente, contou-me tudo isto ao ouvido. Quando acabou de falar, apercebi-me de que eu estava deitado no chão, morto. Não me indignei, não me emocionei e não regressei.

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