Juntos

Pois. Cá estamos, os dois, eu e a tua ausência. Juntos. Não sei se o sabia desde o início, mas agora, anos passados, posso dizer com a vaidade dos falsos profetas, que sempre soube, sempre o senti, acabaria assim, num terraço sobre o mar, um copo vazio e uma sede cansada. Sempre o soube, mesmo na ignorância que cultivei com afinco, que o destino é o lento desenrolar das companhias até não restar nada que não seja a nossa carcaça e o eco de quem connosco esteve. E sabia também, num qualquer canto da alma, que hoje o céu seria de um azul límpido, fino, asséptico, neutro, propício a isto mesmo.
Cá estamos então os dois, a tua não presença e a minha existência rendida, prostradas ambas sob o mar e sua condição milenar de lançar e recolher ondas, tudo sob o céu cristalino de inverno. Do copo vazio sobe a lembrança da sede cansada de há pouco, e no meu egoísmo inocente, nem te perguntei se querias também tu beber alguma coisa. É certo que não estando tu presente mas antes o teu vazio, talvez não seja sede que sintas mas antes um desprezo profundo, um ignorar final do meu ser. Sim, ficam as cicatrizes do que fomos, mas não sendo, não sentindo, as cicatrizes também elas se arruínam, desfalecem mesmo que petrificadas, como as pegadas do Homem na Lua. Estão lá sim, mas é como se não estivessem.
Cá estamos como previ nas inúmeras adivinhações que fiz por dentro, na petulância típica de um poeta menor, eu e o teu deserto em mim, infinito de ilusão, palco imenso para as sombras que calham moldar a partir de agora. Teatro para meu próprio recreio, tudo isto no horizonte marítimo que se revela deste terraço, por baixo de um céu tão azul quanto possível e um copo tão vazio quanto o impossível.

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