ao mais profundo infinito

surge a ideia
e esculpes o que podes
através do mármore alvo do silêncio

esperas poder em breve
num gesto final
passar as mãos sobre a obra
sentir-lhe as curvas suaves das imperfeições
as hesitações e as falsas certezas da criação

apercebes-te que o tempo passa e que sobre cada verso
cai um outro mais abaixo
e outro ainda
uma vez e vezes sem conta

temes que com todo o peso acumulado
se desmorone a poesia e te esqueças do início
da tal ideia primeira
cujo silêncio esculpiste em mármore silencioso
 
e esse medo não faz senão crescer
medrar

e a dado momento sentes a tentação de voltar ao cimo
de largar a leitura do agora e recomeçá-la do alto mais pousado
mais pousada a leitura desta vez
 
mas depressa outro temor nasce
brota

se por acaso voltar ao início
se ceder à tentação do recomeço
não perderei então o presente
não me atrasarei irremediavelmente
não haverá sempre um verso mais abaixo
e um outro e um outro ainda
cuja leitura já foi profanada num à frente
num porvir inalcançável para os meus olhos?

chegas por fim
a um daqueles momentos de revelação
concluindo
que os poemas são o tecido do tempo futuro
têm um avanço decisivo sobre nós
são a materialização presente do futuro

talvez a ciência consiga explicar estas coisas
e provavelmente
a explicação virá em fórmulas
cuja a forma
será
necessariamente
versos
uns sobre os outros
sempre
caindo um após outro
numa queda de poesia ao mais profundo infinito

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