Andar de autocarro pela cidade, permite reparar em certas coisas curiosas. A escolha do lugar para nos sentarmos gere-se pelo princípio da incerteza. É ver as mulherzinhas com sacos de compras mais a carteira pendurada ao ombro, hesitando entre o primeiro lugar livre que encontram, um mais à frente junto à janela ou o do fundo entre o corredor e um rapaz de phones e carapuço. É do conhecimento científico que o primeiro lugar livre é 99% das vezes desprezado. O segundo lugar livre é escolhido mas normalmente trocado após uma paragem e meia por outro junto à janela. Todo este processo é feito com mudanças de direção rápidas, com os sacos a fazerem barulho e uma espécie de suspiros e murmúrios parecidos com rezas obscuras. Se juntarmos a isto as pessoas que quase perdem o autocarro e entram ofegantes de uma corrida desesperada, é inevitável, que no exato momento emaque entram e se desiquilibram à procura do passe ou da senha, um sorriso a fugir ao riso se lhes desenha no rosto nervoso, como se sentissem o rídiculo a cair-lhes em cima, o cenário completa-se. O autocarro ao arrancar volta a balançar todos os sacos e o braço que se agarra ao ferro funciona como um pêndulo, atirando o passageiro num semi-círculo, pedindo desculpa aqui e ali, um com licença já aborrecido, e a impaciência alia-se ao tal princípio da indecisão do onde sentar. A cada viagem um compêndio rico para a psicanálise.
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