Avó

Vive na contradição de lentamente passar rápida no tempo. Cada vez mais metida dentro vai queimando o resto que lhe falta vivendo depressa, mesmo que imóvel na rotina e na impaciência do lento passar do dia. Emana vagarosamente a luz de sempre, agora mais ténue, mas ainda firme, como o sol que não deixa de ser o sol mesmo quando se põe no ocaso. São muitos anos, muitas caras para lembrar, muita vida que lhe gastou a vista e a mente. No fundo, vai existindo como quem vela um doente madrugadas a fio, já cansada, ausente, mas seguindo a missão com brio. O carácter mantém-se mas agora revestiu-se de uma melancolia suave de como quem pede quase desculpa por ainda cá andar, alternando uma fadiga triste com o instinto de certos pequenos prazeres: um copo de vinho fino, um docinho, uma ida à janela ver a rua e ver quem passa.
E nós a assistir a tudo isto, com saudade já do futuro sem ela, rendidos à ternura que ela nos tatuou na alma, conformados, resignados, com a pequena satisfação de pelo menos saber que somos um pouco dela e que por cá vamos continuar com a certeza de a prolongar até mais à frente. Até onde pudermos e como pudermos. .

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