nadas que esbraseam

em nome das perdas

onde se agarra tamanha angústia
tatuada a ferros quentes de morte repentina
enlutecendo a claridade da alma
fazendo noite onde outrora fora dia?

onde se enraízam tamanhos dolos sulfúricos
na lacagem do espírito
que corroem sem descanso
o nosso súbito pasmo?

os eclipses não se esquecem nunca
mesmo se depois regressa a luz

vão queimando os nossos sonhos
os do sono e os despertos

os vazios não se preenchem
são nadas que esbraseam
no lume das eternas dores
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Para memória futura 4

Eram tardes e tardes e tardes. Havia uma rua em plano inclinado, uma porta de garagem velha a servir de baliza, o Zé da Ilha, os meus dois primos e eu. Jogava-se ao Ceguinho (consistia num guarda-redes que atirava a bola de costas, e dois jogavam contra um, o primeiro a chegar aos três golos ganhava e não ia à baliza). Lembro-me que nos primeiros anos, a altura da “baliza” não era a porta por inteiro devido a sermos ainda demasiado baixos, o que muitas vezes acabava em discussões sobre validações de golo. Passavam poucos carros, mas ainda assim obrigavam a paragens. A Cilinha, vizinha da minha avó, vinha à janela para se meter connosco e dizia que ia chamar o 115 por jogarmos à bola na rua. A bola essa, ia parar muitas vezes aos quintais dos vizinhos. Nalgumas casas avançávamos os muros um pouco a medo, noutros tocávamos à campainha ainda mais a medo. Quando a bola ia para a casa da Dona Carolina, era gritar “Dona Caroliiiiinaaaaa”. Sujei muita roupa com óleo por a bola se enfiar debaixo de carros. Os intervalos para o lanche eram três ou quatro pães com manteiga e leite achocolatado. Quando ia à baliza usava muitas vezes um dos chapéus do meu avô, já nessa altura tinha muito estilo. O guarda-redes era também árbitro. Festejava-se golos como na televisão. Quando calhava de haver almoços de família, o meu pai e tios vinham jogar também, eles que já conheciam aquele “campo” de cor das suas próprias infâncias. O meu avô gostava de ver mas só lhe lembro dois ou três remates, se tanto. A porta da garagem que nem era nossa, envelhecia todos os anos. De cada vez que acaltroaram a rua (umas duas ou três vezes), dizíamos que tínhamos relvado novo.
Fomos crescendo e deixando de jogar, hoje a porta velha foi substituída, passam muitos mais carros e autocarros, naquela rua já não vejo ninguém brincar. É assim, e não está mal, os meus primos, o Zé da Ilha e eu, fomos os últimos craques dessas tardes infindáveis, isso ninguém nos tira.
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Resquícios de Raimunda

Poesia

- Não sou grande fã de muita da poesia que se escreve agora. Muito abstracta, assassina da semântica. São jogos solitários, sem comunhão com o leitor.
- Mas a tua poesia também um pouco disso, desses devaneios pessoais.
- Pois, mas eu também não disse que era fã da minha poesia.
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An old fuck

Tigres

Um tigre a sério


Um tigre de peluche
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Para memória futura 3

Tornei-me adulto aos cinco anos, quando os meus pais, por um engano que ainda hoje não conseguem explicar, colocaram-me no autocarro da escola para o meu primeiro dia de aulas entrando na 1a classe. Assim, sem mais. Lá fui para uma escola que nunca tinha visto, com poucos meses de Bélgica e um francês amanhado.
Ao ver o edifício pensei que fosse um hospital, também eu não sei explicar bem porquê. Não sabendo que iria para uma turma de portugueses, segui umas vozes francesas de miúdos mais ao menos da minha idade. Mas no meio da confusão lá ouvi uma voz portuguesa e consegui chegar à turma devida com a eterna professora São. Sobrevivi, e os meus pais, que só a meio do dia se aperceberam do que fizeram, ligaram para a escola a saber de mim. Lá os informaram que eu estava na aula. Repito, sobrevivi, outros sucumbiriam com certeza.
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Coisas que me entristecem

Há coisas que não se misturam sob pena de se estragarem. Nadal num vidoclip de Shakira é uma delas. Fico muito triste com estas coisas. Não tem a ver com inveja, adoro por exemplo, os trabalhos conjuntos com Alejandro Sanz. Agora Nadal? Não, não joga.

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Poesia solitária


Al Berto lança-se em associações livres difíceis de seguir, n'O Coro das Mulheres Sábias. Sendo uma espécie de tríptico de vozes onde sexo, noite e sonho se mesclam.

a cidade acorda menstruada pelos seus próprios crimes

Em francês o poeta lança-se igualmente em odes descritivas onde impera a ausência de verbos e tudo gira num discurso para dentro, com nomes de personagens estranhas e um sentimento profundo da força da escrita.

les textes le même texte toujours un autre même texte

Combato esta leitura à noite antes de adormecer, rabisco a lápis no canto do livro, mas pouca coisa. Al Berto foi um solitário e a sua poesia também o é. Pelo menos esta que vou lendo nas esquinas do sono.
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Fotografias de artistas

Aqui. .

"Os tigres não são domesticáveis"

A frase do título, li-a eu numa crónica sobre Tiger Woods e as suas alegadas infidelidades. Achei uma frase brilhante. Leio agora que sexta-feira o golfista vai "romper o silêncio" e pedir perdão pelos seus erros.
Como eu gostava que o homem dissesse:

Não venho pedir desculpa de nada, a minha vida privada é minha e de mais ninguém, vou continuar a jogar golfe e a ser o melhor do mundo, ide chatear o caralho!

Mas não vai dizer nada disso. Vai encolher-se sob o peso da hipocrisia mediática e pagar bem caro o papel de "modelo" que aceitou ser estes anos todos.
A minha crítica é a esta aparência de "perfeição" falsa. Deste mundo que se crê puro e imaculado. Ainda bem que o não é, é apenas triste que o queira parecer.
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Para memória futura 2

Era loira, tinha olhos azuis, chamava-se Susana e vivia nos prédios brancos. Eis o meu primeiro amor, tinha eu 3 ou 4 anos.
Chamava-se Ricardo Iglésias, foi o meu primeiro melhor amigo. Foi na mesma altura. Nunca mais o vi.
O infantário chamava-se Paraíso Infantil, e lembro-me que tinha uma rampa logo à entrada, nós os rapazes jogávamos lá futebol. Recordo que ninguém queria ficar na entrada porque era a parte baixa da rampa. Quando lá passei, já adolescente, reparei que a rampa afinal mal era uma rampa, era apenas um pequeno desnível.
Lembro-me que foi nesse infantário que aprendi a brincar aos polícias e ladrões e que havia um tipo que não se importava de levar os tiros a brincar. Era ele o único a simular que morria. O resto da malta nunca levava tiros, éramos à prova de bala. Havia ciganos por trás do infantário e por vezes choviam pedras. Só os via ao longe, o Sr. Cunha ameaçáva-os. O Sr. Cunha era o motorista do infantário, tinha uma carrinha bege. Um dia, com a pressa, entrei na carrinha de manhã com as pantufas calçadas, só na hora do almoço troquei de calçado em casa da minha avó.
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Anticristo, uma história


Estaremos, porventura, mal habituados. O cinema não é suposto ser fácil. Sendo considerado a 7a arte, deve como tal, chocar, provocar e obrigar-nos a uma reflexão sem preconceitos sobre aquilo que propõe.

Anticristo é um filme desses.

Comecemos pelo início: antes de mais, covém lembrar, que a nível técnico é um filme perfeito. Von Trier sabe usar uma máquina de filmar e prova-o praticamente a cada plano. Tudo é pensado e estecticamente comporta um propósito narrativo e simbólico indissociável da história que conta.

O ponto central é mesmo esse: uma história que se conta. Anticristo é uma história que o realizador optou contar sem conseções. Daí a força de certas cenas mais limite, da crueza com que são filmadas e mostradas na tela. Mas se pensarmos bem, nenhuma delas é descabida e fazem parte da "verdade" do filme. A tragédia que é contada não pode fugir à violência de certas imagens, sobretudo porque a violência maior passa-se dentro daquela mulher quebrada. Os sintomas ninfomaníacos, de culpa, da rejeição do filho, das paranóias, são retratados na perfeição por Charlote Gainsbourg, cujo desempenho é enorme e de grande coragem. Dafoe não lhe fica atrás, e usa o rosto, a voz e o corpo na perfeição, para transmitir, ao mesmo tempo, um homem inconscientemente orgulhoso, um marido preocupadamente assustado e, a partir de uma certa altura, perdido.

A violência silenciosa e quase poética do início, escala até à explosão visual e física do final. No fim é tudo uma questão de sobrevivência, ela assombrada pela culpa e por uma manifestação maléfica da sua natureza e ele pela agressão de que é vítima, ambos mergulhados num desespero sem limites.

Como disse no início, o cinema não é suposto ser fácil, nem descartável, ou pelo menos, um certo tipo de cinema. E como qualquer obra mais complexa, apesar de valer por si, não perde nada (só ganha) se for acompanhada de outras "leituras". Aconselho a lerem a entrevista dos actores e do realizador, bem como certas críticas ao filme.

Não se trata de gostar ou não gostar (Picasso, Mozart, Saramago, Maradona, etc), trata-se de dar o valor que a obra merece, e Anticristo é um grande filme.
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Anticristo

Fui ver o filme de Lars Von Trier, Anticristo. Seguirá a minha apreciação mais tarde. Para já, fica um dos rostos mais penetrantes do cinema actual.

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Para memória futura

A lembrança mais antiga que tenho é da luz fatiada pelas persianas em casa da minha avô materna, entrando pela janela do quarto onde eu dormia. Seria de manhã, os feixes do sol cesgando o ar, turbilhando aquelas poeiras finas que a luz agita e caindo sobre as paredes floreadas. Lá de baixo subiam os sons de tachos na cozinha. Devia ter à volta de três anos. Muitas das recordações mais antigas brotam dessa casa, desde o quadro do menino a chorar à entrada, passando pela marquise luminosa, até ao pequeno quintal dominado por um pessegueiro velho. Recordo-me das escadas que subiam para os quartos numa espécie de veludo fofo. As escadas, dividida em dois vãos, tinha no patamar intermédio uma mesinha com o telefone. Lembro-me da sala de jantar que muito pouco era utilizada (jantava-se na marquise) e os seus armários com portas de vidro que mostravam louça que eu nunca vira a ser usada. Lembro-me do pequeno jardim da entrada onde cresciam jarros, essa flor que sempre me incomodou (ainda hoje olho-a e acho-a estranha).
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Leituras recomendadas

- Artigo muito interessante (apesar de ser um pouco longo), no New York Review of Books sobre o Facebook.

- A li, dissertação sobre sexualidade, escatologia, fluídos corporais e assuntos relacionados.

- O belíssimo blogue Photoshop Disasters.
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Ah estes japoneses

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Generalidades

Na tentativa de abordar temas mais variados, sugestão do meu primo e leitor João Paulo Nunes, reencaminho-vos para esta notícia

Que podemos dizer? Ter barba e ser vesga não são de facto atributos que atraiam facilmente um homem. A Burka serviu de disfarce, mas um leve início de intimidade deitou tudo a perder. Ele sentiu-se enganado, ela provavelmente sentiu-se envergonhada. Um árabe tem sentimentos, uma mulher de barba e vesga também. Como dizia o outro: somos todos pessoas humanas.
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Marceau, a verdade

Sophie será sempre Sophie. Não se esquece nunca o primeiro amor. Para lá das linhas do rosto e do corpo, houve desde o início (há muitos anos) na francesa como que um íman ao meu deslumbre. Tudo isto é, evidentemente, feérico, mas o amor é também isso, o hipnotismo de uma irrealidade.

Sophie Marceau é uma irrealidade no meu mundo, uma construção romântica de uma paixão impossível. Mas é exactamente isso que me dá prazer nestas minhas declarações meta-amorosas. O jogo da ilusão, do desdobramento do ser. Não, não são fantasias (eróticas, sexuais), são jogos de literatura, são criação de "mundo no mundo".
Sophie é um pedaço da minha sanidade, da minha verdade, embora possa aparentar o contrário.

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advento

Se calhar não vale a pena perder muito tempo com explicações. Quem me tem lido sabe do percurso errático a nível de blogues. Vou criando uns atrás dos outros, sempre nascidos com um forte sentimento de esperança de que possam durar para sempre, para depois num aceso de tédio ou desalento apagá-los de repente. Este não será diferente com certeza. Nasce com a força poética do título e pouco mais. Gosto das palavras e da solenidade com que se lê o epíteto.

a pausa e o silêncio
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a pausa e o silêncio

Uma amiga terá acertado no diagnóstico:

Eu gosto é de criar blogues e dar-lhes nomes.

Eis mais um: a pausa e o silêncio.
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