pontos de não retorno
cartas, cadernos e fotografias
frente e verso
A frente do verso e o verso de frente como um muro.
Inevitável.
De sua derme, escamas secam e caem como pele de serpente envelhecida
e por trás das palavras o verso do verso, o outro lado do que é dito, sem silêncio nem verbo.
a voz que dita por dentro
um retiro sobre cinzas
qual exílio de mim próprio
a fuga do chão já pisado para um outro caminho
dos sedimentos acumulados na gruta da alma, existem poeiras de uma cumplicidade e sombras de gestos desenhados por um carinho que se cumpriu
talvez sol e sal possam cobrir tudo isso e dos meus olhos outra foma de ver nasça
talvez lutando contra o adiamento dos versos consiga encontrar-me definitivamente
certo é que o silêncio habita cada palavra que não escrevo
e das que escrevo o ruído é levado pelo mar
pois sou filho dessa voz que dita por dentro
código genético póstumo
às portas do deserto, perante mais um infinito que me calhou em sorte, duas sílabas inundaram-me a alma
brotaram com a força das inevitabilidades e ressoaram por dentro
ecoando num aperto que já conheço do passado mas que é sempre novo
a paisagem arenosa e o sol a cair no longe do horizonte, o silêncio profundo
tudo isso incompleto
fazias falta
não nós, mas tu
a ideia de ti e do teu pronome vazio a resvalar-me pelos olhos e pelos dedos como os incontáveis grãos desta praia sem mar
depois o sol pôs-se e foi como se mil anos passassem desde essa fugaz solidão da partilha
será tudo isto normal e inocente
das duas sílabas fica a tatuagem invisível
como cicatriz por baixo da pele e da língua
qual código genético póstumo
falhanços
A tua escrita (para além de quase inexistente) é incapaz de descrever. Dirão os modernos que é minimalista. Mas sabes bem que é somente pobre. Poderá ter algum mérito no rasgo intuitivo que brota de um rasgo ocasional, mas, no fundo, é deserta.
Deve-se isso à tua falta de disciplina, de entrega e de coragem.
Descrever alguma coisa dá trabalho.
Preferes o conforto da inspiração fortuita. E, mesmo essa, surge cada vez mais espaçada.
Talvez te agarres à crença de que a poesia escolhe quem quer, e a que te calhou em sorte e em palavra é essa coisa indizível na verdade. Escreves os teus pequenos falhanços.