Sicília, notas avulsas para memória futura

Curiosamente, começou em Espanha a aventura siciliana. Voámos do Porto para Madrid onde fizemos uma escala de várias horas. Nessa paragem encontrámo-nos com amigos do tempo de Erasmus da Lira. Todos italianos e com conselhos ótimos para os dias que se avizinhavam. A lista reproduzida abaixo foi uma cábula preciosa sobre gastronomia. A amizade criada em Erasmus valeria uma reflexão própria, é uma amizade feita do mesmo tecido que a família, não se explica, fica para sempre, como uma tatuagem na alma, e a cada reencontro os contornos desse desenho adensam-se.


Dia um na ilha. Fomos ver o mar. Há uma luz própria do Mediterrâneo e dos seus mares. Um azul primitivo, telúrico passe a aparente contradição. Esse manto azulado serviu de berço a muitas civilizações e parece que a cada vaga leve nos relembra tudo isso 2- Palermo, tarde, contato com Mediterrâneo, cor azul. Noite palermo, peixe fresco, grelhado na hora. Palermo enorme.
 
 

 
Primeiro contato com Palermo. Na minha ignorância não pensei que fosse um cidade tão grande. Perto de 700000 habitantes, Palermo não é uma cidade fácil. Pesada, densa, um pouco suja. Mas perto do centro histórico não faltam coisas bonitas e sente-se, como só em alguns sítios, o caratér do local e das suas gentes, um orgulho palpável. Encontrámos um mercado/restaurante numa praceta que nos tirou a barriga de misérias. Escolhia-se o peixe e marisco fresquíssimos na hora e tudo saltava para a grelha o sertã para cozinhar.
 

Dia 2, novo encontro com uma amiga do tempo de Erasmus da Lira, em Patti. Recebidos pelos pais da nossa amiga Federica, comemos pasta alla norma e de sobremesa cannoli, depois de uma bela manhã de praia. Cannoli foi uma descoberta revolucionária. Eu que não sou especialmente fã de sobremesas, este biscoito recheado a ricota entra no meu top 3 de sempre.


De tarde visitámos Cefalu. Baía saída dos livros sobre piratas. Ruelas com cheiros de outro tempos e o sol a desvanecer devagar.


Dia 3, visita à reserva do Parque Natural do Zingaro. Um Gerês mas com mar. Escarpas derramadas de um lado, montanha do outro. Em cada pequena praia que encontrávamos descíamos para um mergulho de água quente. Os olhos e a alma voam para lá de nós.



Dia 4. Uma das parias mais bonitas que já vi. A Scala dos Turcos. Azul e branca, como outro grande amor meu. Azul do mar e branco de uma falésia enorme de calcário. O contraste é tal que o sol queima por todo, do firmamento e da parede alva cheia de rugas calcárias. Dia de praia inesquecível.



De tarde fomos a Agrigento. Visitámos o parque arqueológico. Imaginar templos gregos e romanos com mais de 2000 anos e ainda de pé. Oliveiras com meio milénio de idade. O silêncio nessas pedras amareladas, o céu sempre azul até cair o sol. Sombras deitadas para lá da imaginação. Isto não são ruinas, o que eventualmente não está lá, lá está em espirito. As gentes de então descobriram o segredo das árvores e semearam-no nos templos, mesmo mortos, morrem de pé.



Dia 5. Saímos de Palermo em direção a Catania. Palermo, como disse, não é uma cidade fácil mas sempre surpreendia ao virar da esquina.


Catania, por seu lado, seduziu logo e foi o nosso poiso até ao fim das férias. Um mercado de peixe diário, efervescente todas as manhãs. E brindou-nos com uma chuvada tropical que não esqueceremos.


Dia 6. Visitámos Castelmola, pequena aldeia no alto duma falésia. Um nevoeiro pesado cobriu tudo durante a manhã. Com o passar da horas foi-se dissipando e quando descemos a Taormina só ao longe havia nuvens. Essas cobriam o monstro silencioso chamado Etna.



Dia 7. Fomos a Siracusa. Entrámos em Ortigia que é uma ilha (península agora) que estica a cidade pelo mar. Uma preciosidade. Um mercado típico do cruzamento de diferentes civilizações e culturas, praças e monumentos inundados de luz. Uns dos cenários que mais me deu prazer em beber uma cerveja.
De seguida o parque arqueológico e o seu teatro grego ainda perfeitamente desenhado contra a erosão dos anos.
À noite regresso a Catania onde jantámos na Tratoria Giglio Rosso onde comi uma das melhores refeições da minha vida, um spaghetti vongole perfeito. Explicar isto não é fácil. Enquanto que um cannoli, a tal sobremesa divina, sei que poderei repetir, aquele prato, naquele local, com aquele sabor, naquele sítio, naquele momento, é irrepetível (não há foto).



Dia 8. Fomos de manhã ver a Gola dell'Alcantara. Regressamos a Catania para almoçar, atacar um último cannoli e ver ao fundo da avenida Etnea uma montanha de nuvens a cobrir o vulcão ao qual subiríamos mais tarde.




 


Etna. O que é um vulcão? A voz do planeta que ocupamos. Das entranhas por vezes vem fogo e esse fogo amontoa-se em pedra negra e cresce até aos céus. Por sorte, subi a este.



Dia 9. Regresso, nova escala em Madrid com tempo ainda de visitar o museu Thyssen. Entre muitas obras ficou este Bacon. A mesma perplexidade com se olha o que da terra sai, um vulcão, este é um vulcão humano, enigmático, tortuoso, infinitamente belo.

 
Pedras Rubras, à saída do avião.

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