vinho do porto tawny
ensaio sobre notas de prova de vinho do porto
vinho do porto tawny
das canetas
Cada vez que me calha uma caneta diferente, brota-me dos dedos a obsessão de escrever, de lhe destapar o sussurrar e sentir os murmúrios. Deslizo pelo alvo de um papel, é um vício, uma condenação, uma inevitabilidade.
Curiosamente, sou um perdedor de canetas inveterado, semeio-as no esquecimento de um lugar perdido. Das que gosto, quando as perco, fica-me um silêncio desolador nas mãos e as palavras choram-se (sim, reflexivamente), esfumam-se.
alto mar
e um mar de sombras
onde as ondas se elevam como crinas de cavalos selvagens
chegando a uma praia de luz
espraiam-se em línguas de penumbra desenhando silhuetas numa areia tão branca que julgamos ser feita de nuvem
e as tempestades nascem ao largo em vagas imensas que são elas próprias oceanos inteiros despenhando-se no céu mesmo junto à linha do horizonte
dobrando-a como uma corda de guitarra
e os estrondos que provocam são hecatombes em si mesmo
gerando outras montanhas de breu
escurecendo o sol
atenuando-o numa lua pálida por trás da poeira celestial
em terra
abrigado
assisto a tudo isto
e penso no que poderia sentir e eventualmente escrever
mas não sinto nem escrevo
e nesses nadas um outro cataclismo se ergue
mais imenso mais infinito do que aquele que vejo
há no marasmo do silêncio as combustões de todas as estrelas e galáxias
todo amor e toda a desilusão
e recordo o que li uma vez num sonho de uma mulher
talvez não te tenha amado em certos momentos em que te amava e talvez te tenha amado noutros momentos em que tu te apagavas
desses desencontros de há mil anos
semeámos a quietude que agora grita em alto mar
lobos
No céu, ao longe, gaivotas voam cortando nuvens e tons de azul. Sobre os telhados, existem lobos que esperam a noite. Uivam em silêncio, e esta aparente contradição explica-se pela lua invisível que não desponta. Esses lobos habitam em versos que eu não escrevi, e são a derradeira alcateia a velar sobre a poesia. Guardiães de palavras e do peso que estas carregam. Têm nos olhos todas as histórias de amor, todos os beijos e todas as vertigens da alma. Movem-se juntos pelos telhados das nossas casas e aninham-se em cantos de penumbra quando o sol queima ou em abrigos quando a chuva cai. Noites há em que o uivo deixa de ser silencioso e rasga todo o firmamento, vibrando pelas paredes do que somos e estilhaçando a nossa alma como quando cedemos a um abraço ou carinho.
Os lobos não se domam, são a ultima fronteira do que é ser livre e apaixonado. Os lobos são fogo, incêndio de vida, cataclismos permanentes, como lá nas profundezas do cosmos, quando as galáxias colidem.
Paraíso Infantil
Acho que já escrevi sobre ela antes. Mas agora nem é bem sobre ela que escrevo.