tempo

tempo
o que sobra e o que não chega
expiar
excomungar
exorcizar

a desobediência civil da alma
na noite demasiado quente de febre que te acometeu

porque o passado esquecido dá lugar a futuros alternativos que nunca acontecerão
e todos os momentos petrificados nas roldanas do relógio cósmico
como coisas a ignorar totalmente ou a desvendar definitivamente

a depressão da melancolia que tanto te faz falta
mas que tanto te transtorna monotonamente

as esperas nas paragens de autocarro e os acordes de guitarra
os livros em silêncio e as garrafas por abrir
as palavras por escrever e as roupas por vestir
as futilidades necessárias ao funcionamento da rotina
e as loucuras prometidas a cada gesto vazio ou beijo roubado

o lento correr da noite na profunda solidão
e as manhãs a rebentarem de sol ou de chuva na janela que esqueceste de fechar

o texto definitivo como um tiro certeiro
um golpe fatal e simbólico como os samurais e seu seppuku
ou o abrolhar de uma flor em fruto
uma pedra no canto de um passeio por onde ninguém passa

tempo
o que sobra e o que não sobra nem chega nem passa nem nada

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