Regresso

Regresso. E os regressos sabem a nada, que é como quem diz: a tudo. O sal e o sol ainda na pele dissolvem-se aos poucos na rotina. Mas partir também é rotineiro, tal como regressar. Afinal, reconheci-me lá no sul, onde tive tempo, que é igual a não ter tempo algum e a desligar-me um pouco de tudo, a adiar-me. O sorriso dela comigo foi a única âncora à realidade (isso e um livro de Mia Couto comprado em Lagos, o Al Berto só saiu da mala para enfeitar a mesinha de cabeceira), mas a realidade com ela é feita de sonho. Vou sonhando, portanto.
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Rumo ao Sul

Rumo ao Sul. Reencontro com a praia e o mar. Já lá vão dois anos. No ano passado fui para outro tipo de mar, aquele que queima em luz e que ondeia em estalos o interior do Alentejo, outras marés portanto. Agora regresso ao sal e à areia, ao horizonte no seu devido lugar, rasteiro, inalcansável na dobra do firmamento. Sei bem que vou reconhecer o cheiro, o tacto e a luz, mas desconheço se me reconhecerei a mim. É sempre assim quando revisitamos lugares ou pousios do passado, reconhecemos tudo, mas muitas vezes desconhecemo-nos a nós..

Ela


Há algum tempo que não escrevo sobre ela aqui. Mas não escrever é também uma forma de poesia e, portanto, de amar. Amo lá fora, muitas vezes distraído na rotina, apático na certeza subtil de a ter comigo. Mas, ainda assim, há momentos de iluminação. Certas pausas numa conversa onde mergulho nos olhos enormes que ela me atira, no sorriso aberto, no brilho do rosto. Como no início. Sim, é isso. Amá-la é estar sempre no início, no princípio. E é sabido que já foi dito algo do género: no início era o verbo e o verbo era amar.
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Lendo

Adormeço com o calhamaço. Al Berto é uma vertigem e sua consequente queda. Por vezes (muitas vezes), vou atrasado. O mundo do poeta é demasiado alucinado, demasiado denso nas imagens e na sua engrenagem. A beleza que daí sai, exige-me um tempo (tempo dentro do tempo) que não tenho. Mas agarro-me como posso e dou comigo a sublinhá-lo em certos rasgos que alcanço. Chego por vezes à ousadia de lhe completar versos. Para breve um apanhado desse vertigo.
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Serralves

Em Serralves, domingo de manhã, fui ver a exposição de Marlene Dumas. Os muros e alguns rostos. Os muros e os rostos da (des)humanidade. É impossível olharmos os quadros sem que a narrativa da realidade nos assalte. E esse assalto leva-nos rapidamente ao absurdo. Dumas não queria propriamente uma leitura política da sua obra, entendo-a, essa leitura daria para todos os gostos, mas a leitura humana é impossível evitá-la. Um muro é uma absurdidade.


Vi também as imagens de luz de Grazia Toderi. Envolvidas naquilo que parecem ser sons abafados de bombardeamentos longínquos, os quadros luminosos remetem-nos mais para um cenário cósmico, de supernovas e bombas celestiais.