Sophie, merci

A Sophie, sempre ela ou a ideia dela, que é a única que interessa nestas coisas. Como estátua tatuada num sentimento contemplativo. Há coisas que se forjam naquela idade em que tudo é novo. E sendo tudo novo, a cicatriz que deixam são para sempre, mesmo se o tempo as molda consoante os ventos das emoções e das experiências. A loucura é acreditar nisto tudo pela força das palavras e na crença do poder revelador que transportam. É saber que se amo como amo, é porque aprendi com a revelação da ideia de Sophie naquele tempo.
Merci.

24 Horas

O jornal 24horas acabou. Não será por razões de perseguição mas o fim de um jornal, por fraco que seja o cardápio, é mau sinal.

Deixo as palavras do Pastor Luetrano Martin Niemöller:

"THEY CAME FIRST for the Communists,
and I didn't speak up because I wasn't a Communist.

THEN THEY CAME for the trade unionists,
and I didn't speak up because I wasn't a trade unionist.

THEN THEY CAME for the Jews,
and I didn't speak up because I wasn't a Jew.

THEN THEY CAME for me
and by that time no one was left to speak up."

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São João

O São João já vai. Os dias regressam a um dissimulado lento encolher. Da festa ficam os restos dos braseiros, do cheiro a pão, carne, vinho, pimento e sardinha. Fica também o silêncio de uma cidade que se atira à rua em martelos e alhos porros. O São João é um exorcismo, uma purificação através de vícios. É uma comunhão colectiva e individual, quase como o futebol. Nem todos gostam, outros não podem viver sem ele.

Não havia vento

Provavelmente não quererá dizer nada, mas hoje reparei por duas vezes que não havia vento. Uma foi ao ver televisão. Chovia lá na África do Sul mas a bandeirola de canto não se mexia, conclusão: não fazia vento no Uruguai-Coreia do Sul.
Há pouco, ao regressar a casa, atravessando a ponte de betão armado que liga Gaia ao Porto e vice-versa, notei que também não havia vento (aquelas meias laranjas e brancas estavam murchas, coladas ao mastros que as ostentam).
Se eu fosse supersticioso, talvez visse nisto motivo para uma descodificação: alguma força me estará a querer dizer algo. Mas não, que faço eu? Escrevo. As conclusões tirem-nas os outros, se os houver.
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Vaidades e birras

Noto que o sol dura mais. É uma teimosia milenar por esta altura de solstício. Os caprichos astronómicos são a prova provada que a teologia clássica era certeira, só deuses humanos para tamanhas vaidades e birras.
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Lendo

Enquanto não cumpro as minhas, lerei a de Vergílio Ferreira.
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Saramago

Faleceu Saramago. Com Vergílio Ferreira é capaz de ser o autor que mais li até hoje. O "Ano da Morte Ricardo Reis" é o meu favorito numa série de livros que me ficam para sempre (Ensaio sobre a Cegueira, Evangelho Segundo Jesus Cristo, Todos os Nomes e Memorial do Convento) e de outros que nem por isso (Ensaio sobre a lucidez, Intermitências da Morte, Homem Duplicado e A Caverna). Se o que me liga a V.F. é um amor pelo amor que ele escrevia, o que me ligou às palavras de Saramago eram as histórias em si, o poder de as contar. Se em VF me ficavam os sentimentos (ternos ou/e crus) em Saramago ficava-me a voz do narrador, como a de um ancião.
De Saramago ficam-me os livros. O resto à volta nunca me convenceu mas isso não importa.
Hoje, o silêncio levou um dos grandes do mundo das letras e um homem mais do mundo dos mortais.
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Lendo

Das leituras dos últimos tempos.



esqueço-me-te

- Tenho medo. Medo.
noite que descansa em teu peito aberto à navalhada
e a nítida água desta memória vai secando
os pulmões estafados pelo tabaco das esperas
as pedras acendem-se e têm vida por dentro
- Meu doce amigo, levar-te-ei aos países do sol onde o vento nos reconhece a voz no sussurro dos bosques. Mostrar-te-ei as nascentes de luminosos musgos. Levaremos na bagagem somente objectos inúteis, que poderemos trocar, dar, ou esquecer.

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Dentro das gavetas está a imperfeição
do mundo, a inalterável imperfeição,
a mágoa com que repetidamente te desiludes


Pedro Mexia, "As gavetas"

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Li Oracle Night de Paul Auster. Foi uma das prendas de aniversário. Auster, já o sabia, cria sempre várias realidades nos seus livros. Em Oracle Night temos um escritor em convalescença após uma doença complicada que regressa à escrita. A história que ele começa a escrever num pequeno caderno azul feito em Portugal e vendido em Nova York numa loja chinesa, conta as façanhas de um editor com um novo livro em mão, livro esse que lhe muda a vida. Com estas várias realidades a “acontecerem” notamos que elas se vão influenciando umas às outras, e contra as expectativas, é a mais "interior" delas que influência a mais superficial. No fundo, Oracle Night, é a revelação do poder das palavras e do processo da escrita. Os dramas e episódios que vão sucedendo não causam/criam a história, o facto de existirem histórias dentro da história é que faz com que sucedam os dramas e os episódios.

The Portuguese notebooks were specially attractive to me, and with their hard covers, quadrille lines, and stiched-in signatures of sturdy, unblottable paper, I knew I was going to buy one the moment I picked up and held it in my hands.


Nick is a litterary man, after all, and therefore someone susceptible to the power of books.


"Just keep on loving me". Those were simple instructions, and unless she decided to cancel them at some future date, I intended to obey her wishes ntil the very end.
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C'est la vie

Está tudo bem obrigado. O blogue tem estado em pousio devido a falta de substância. Claro que a vida continua e eu nela, com os semáforos na estrada, a antena1 com notícias, o Mundial em vuvuzelas, leituras intensas de Paul Auster, a aquisição oficial do inédito de Vergílio Ferreira, de um convite para jogar no Godim para o ano que declino dado ao facto do Hugo Almeida existir, a necessidade de comprar roupa nova que adio por doença de dar dinheiro por roupa, a Lira que me namora e eu a ela, a comida que vou comendo às refeições e outras coisas que se vão passando por aí e no silêncio profundo do inabitado deserto marciano do qual a NASA tem publicado imagens que me apertam o coração que vai batendo como pode. Como dizem os franceses: c'est la vie.
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