quietudes nocturnas

O que tens para mim?

palavras

Aceito. Aceito tudo. Apenas te nego os nadas.

pois, mas são palavras de nada que tenho para dar
ausências, savanas silenciosas sobre mantos de penumbra

Nunca amanheces?

raramente
a minha madrugada é quase sempre permanente
eterniza-se e quando penso que a noite ameaça diluir-se, um vento de breu levanta-se e volta a cobri-la
fico refém das quietudes nocturnas


E quando calha de o sol nascer?

é tarde
o mundo é um deserto e só estou eu esgotado de insónias, vazio


E dormes então?

morro
como um derradeiro desmaio
o meu corpo estende-se por uma praia, torna-se areia dispersa
quando volto a mim é noite uma vez mais e recomeça tudo de novo

Nunca te velaram esse sono?

talvez, uma vez
julgo que sonhava e que havia uma vaga de carinho a banhar-me mas todo eu permanecia à deriva
a minha pena é naufragar sempre, para sempre
sou bússola sem rosa nem brisa nem rumo

Aceito tudo mas nego esses teus nadas.

eu sei
mas nem os nada são meus para os poder dar
e, no fundo, o que é que se pode dar a alguém no fim de todas as contas?

Uma mentira.

ah, sim
mas dar uma mentira é o mais fácil
a mentira não necessita de ninguém a cuidá-la
é erva daninha, praga, ferida cuja cicatriz não sara

É tudo assim tão triste então?

não
é tudo melancólico como um banho morno
é tudo uma balada, uma nostalgia que não se cumpre, uma saudade de tudo o que não chegou a ser e a certeza de que nunca mais será
no entanto, há também o conforto de que se imaginou algo de maravilhoso, de glorioso, único e só nosso
os impossíveis que nos pertencem e que guardamos como tesouros secretos
a eternidade dessa vertigem, mesmo que durando um breve instante, fica para sempre, tatua-se num eco que resvala pelos confins disto tudo

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