da intransigência

não serei outro que não eu nas derradeiras coisas desta vida
sou intransigente face a isso
um sacrifício não pode ser imaginado sobre uma mentira
isso é fácil e cruel

não serei cruel
falta-me essa vocação, esse talento, essa artimanha

sou talvez fraco de espírito nas coisas mundanas
talvez ceda ao egoísmo do imediato e me perca na sombra do que penso de mim
mas renuncio a qualquer compromisso com a ilusão do que foi forjado pela verdade e pela entrega e pelos erros e pelos falhanços e pelos sucessos e por tudo aquilo que faz uma existência

aceito o silêncio que me aceita
em paz e em comunhão
mas jamais calarei
por tratado ou convenção
por pacto com qualquer demónio de coisas vis
a vontade de um afago ou gesto de bondade inocente

não sei


não sei que perfume esvoaça desses versos  que me tatuas no corpo
não sei que dança se curva sobre mim pelos teus gestos silenciosos no escuro do quarto
não sei que língua fala a tua língua na minha boca húmida
não sei que passado foi o meu sem essa ignorância nova

não sei o que não sei
e tudo isso me chega
tudo isso me sacia insaciavelmente

serás a contradição que me faltava
o enigma que me era destinado
e a interrogação que nunca se revelara

com isso, és, no fundo, uma divindade sem quereres, pois da tua costela imaginária moldaste-me à imagem de mim
criaste-me um outro eu, feito de suor e de carne e de beijos e de entrega

resta-me descobrir-me, desnudar-me

esperar para não saber de vez

indizível

existe um silêncio alienado nos corredores dos hotéis
uma penumbra de silhuetas difusas que me falam nos entretantos

o que dizem ainda não entendo bem
mas todas as histórias que valem a pena começam no indizível

sem tudo


das coisas que temos
e das coisas que nos têm
do que escolhemos
e do que nos escolhe a nós

ficamos com nada
ficamos somente
sem tudo