começa quase sempre com um vulto
um recorte de penumbra e de sombra sobre uma parede
um corpo desenhado pela luz e contraluz
e tudo isto entra-me pelo olhar
é uma lembrança nítida na sua indeifinição
não sei explicar de outra forma que não seja por uma memória de um cheiro e de uma réstia de um calor morno e preguiçoso sob a pele
isso
um espreguiçar do teu corpo numa manhã esplendorosa de sol a inundar-nos da janela
o teu pescoço e o lento bocejo discreto da tua alma derramada sobre a minha
uma paz absoluta de que a perfeição é real e que se esfuma na mais terna das melancolias
o amor é isso e pouco mais
e o pouco mais é acessório
o que conta é o que é eternamente fugaz
o silêncio de uma cama desfeita de nós, por nós
o mar do outro lado da rua e o horizonte preso no fio leve de uma navalha feita de céu e de brumas
os teus lábios a descolarem-se tão lentamente que o próprio tempo estagna-se a si mesmo e é como se tudo durasse para sempre
e no início era um vulto
um nevoeiro impreciso e ainda assim tão certeiro, tão verdadeiro como que velho de mil milénios e mil mundos
o espectro do teu ser na revelação do teu corpo nu e perfeito nas palmas da minhas mãos e no meu mais profundo e intenso assombro
dou por mim longe de mim, fora de mim e para lá de mim
o milagre que és é a evidência de que somos feitos de brisa, de sede e de versos
por isso voamos em segredo, bebemos em loucura
e por isso nos despenhamos incandescentes em cada segundo de uma paixão