cadernos vazios

Vieste, sem falar, para junto da janela. O céu ao longe desenhado por algumas nuvens, deixava, ainda assim, entrever o sol.
Vários rastos de avião cruzavam no alto. Na estrada passeavam-se algumas pessoas no início de tarde.
Abriste a janela. Uma brisa entrou e enroscou-se nas cortinas.
Olhava-te, sentado enquanto limpava o pó de um caderno cheio de palavras.
Um dia leio-te tudo isso. Palavra a palavra, verso a verso. Talvez uma emoção nasça dessa leitura. Algo inútil com certeza, mas real. E então, ao olhares pela janela verás que esses rastos de vôos no alto, desenham uma teia infinita de destinos adiados, de silêncios, de futilidades.
Para que saibas: tenho cadernos igualmente vazios, adiados.




sem ti não há manhãs

uma manhã que seja sem o eco do teu corpo sobre a cama
ou sem o som dos teus passos no quarto ao lado
ou sem a tua silhueta desenhada por trás do vidro embaciado do banho
é uma manhã vazia.
por muito sol que inunde as paredes
por muita chuva que resvale nas janelas
sem ti não há manhãs.
sem ti não amanhece nunca.

abandono perpétuo da palavra



O teu abandono perpétuo da palavra. Cemitérios de silêncio lavrados com a tua ausência. O que deixaste por dizer jamais será dito. Essa ferida não sara mais, não sara nunca.
O compromisso com o verbo estilhaçado por infinitas páginas em branco. Dos ecos da tua sombra nem penumbra ficou. Nem cinza nem pó. Nem a intenção, essa etérea nuvem que por vezes resiste a tudo, nem ela, esfumou-se no breu derradeiro do esquecimento.
Que resquício de contentamento pode sobrar? Apenas uma promessa quebrada. E é sabido, uma promessa quebrada é o atalho para a loucura. Queda, talvez, uma escapatória: é igualmente sabido, que uma promessa cumprida é, também, muitas vezes, o desvio imediato para a demência.
Se ficar perdido era a sina irremediável, o caminho para a cumprir seria, porventura, irrelevante.