Tive e tenho a sorte de poder chamar "casa" a vários lugares. A primeira terá sido a dos meus avós maternos, onde vivi os primeiros 5 anos da minha vida e à qual regressei muitas vezes em férias na infância. Foi a casa da memória mais antiga que tenho: a luz fatiada pelos buracos da persiana no quarto, do barulho de tachos vindo da cozinha e de uma marquise que dava para um quintal. Outra casa é a dos meus avós paternos onde os Natais mais felizes aconteceram e onde em frente da mesma infinitos jogos de futebol joguei com primos, pai e tios. Outra ainda, a casa dos meus tios na Cantareira, onde dormi todas as férias da infância e adolescência e onde, ainda hoje, como as melhores refeições do mundo. O apartamento dos meus pais, com o mar em frente, onde vivi "sozinho" nos anos de faculdade, com uma luz única e uma atmosfera que me inspirou tanto a amizade, o amor, como a melancolia e a poesia. O apartamento onde vivo com a Lira há quatro anos, porque está lá ela e isso chega.
Mas uma casa foi mais casa que as outras. Em Moorsel, na Bélgica, a casa a que voltava da escola durante mais de 10 anos e onde os meus pais viveram quase três décadas, onde a minha irmã "nasceu". Uma casa que construímos, com um bosque mágico atrás, onde passei de criança a homenzinho, onde escrevi pela primeira vez com o sentimento de escrever, uma casa numa aldeia cujo clube de futebol representei em todas as camadas e ao qual voltei anos mais tarde. Uma casa de tanto ser casa que já é parte de nós, que se esquece no dia a dia como se esquece de que se respira. E uma casa é feita de gente e aquela era a dos meus pais, a da minha irmã e a minha, onde recebemos família e centenas de amigos dos quatro cantos do mundo.
É triste ter de a deixar. Ficam as memórias é certo, essas não se vendem, não se trocam.
A casa, o Gilreu de Moorsel, tal como a rocha em frente à Foz, imutável na alma, no âmago, no mais profundo recanto do meu carinho, da minha gratidão.