libertação de silêncios

sabias dos silêncios escondidos nas esquinas
por lá se encolhem
se contorcem
insinuando sombras
soprando palavras velhas promessas gastas
sonhando o velho amor esquecido
desenhando de madrugada o vulto dela
criando a golpe de crença o perfume de um beijo nunca dado
nunca partilhado nunca escrito

os silêncios escondidos nas esquinas
tricotando a pedra dos passeios
olhando os céus chuvosos
imaginando as constelações todas
uma a uma
cassiopeando
conspirando em versos invisíveis
num poema cuja leitura derradeira
os libertará finalmente
em rima serena certa perfeita
deixando esquinas desertas e solitárias

rumorologia

não será bem um eco
os ecos esfarelam-se na distância
tornam-se nadas no silêncio

será antes um rumor
os rumores roem discretos
no subtil correr do tempo

sim um rumor
um sopro permanente na cave da alma
a brisa teimosa da praia que sempre foi nossa
um murmurar pela noite do nosso abandono
um suspiro na manhã definitiva

última manhã
derradeira

como está escrito nos horizontes
no firmamento
nos livros de rumorologia

Disciplina, solidão, silêncio e prisão

Cito de cor mas foi mais ao menos isto que disse Lobo Antunes sobre escrever:
 
É necessário disciplina, solidão e silêncio.
 
Acrescento que é igualmente necessário estar-se encurralado. Entre a espada e o papel em branco, aprisionado, ameaçado, eventualmente aborrecido. Na contradição destas coisas todas está o caminho que tenho finalmente de encontrar.
 
Das inúmeras promessas adiadas, dos falsos regressos, dos inícios abortados, dos silêncios cabisbaixos, dos desertos ausentes de mim, este será mais um, e, tal como os anteriores, vem vestido de renovada esperança que em breve encontrarei a disciplina, a solidão, o silêncio e a prisão que me farão escrever de vez.