novos vícios


vais arranjando novos vícios para queimares o pouco que resta deste mutilado caderno
agora pões-te a escrever já na antecâmara do sono ao som de canções que já tinhas esquecido 
a ideia de esgotares o que te tormenta, de ires à volta de tudo o que nunca chegaste a cumprir, de enganares tudo aquilo que nunca chegaste a dizer, como se o que dissesses agora pudesse ocupar um silêncio passado.
não pode.
e para além de não poder, este semear de palavras deixa um novo infindável campo de vazios e nele corre uma permanente brisa cujos versos são ilegíveis.
resta-te a cisma que bem conheces, a de escrever o que te dita a voz muda da madrugada.
estranhamente, isso te consola o bastante para aqui regressares.
há uma beleza nisto, e tudo o que é belo brilha para além de nós

1 comentário:

Anónimo disse...

"Escrever é esquecer. A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida. A música embala, as artes visuais animam, as artes vivas (como a dança e a arte de representar) entretêm. A primeira, porém, afasta-se da vida por fazer dela um sono; as segundas, contudo, não se afastam da vida - umas porque usam de fórmulas visíveis e portanto vitais, outras porque vivem da mesma vida humana. Não é o caso da literatura. Essa simula a vida. Um romance é uma história do que nunca foi e um drama é um romance dado sem narrativa. Um poema é a expressão de ideias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso." FP