jornada

passou os olhos por poemas que não eram dela
despenhou o olhar pelos versos
deixou-se cair
e nesse céu demasiado azul onde tudo é feito da mesma vertigem
abraçou o tombo até à mudez
até ao último soluço de eco que se evapora na escuridão

e nesse breu profundo
nesse labirinto derradeiro de sombras
adivinha a escarpa de onde se lançou
jazendo a seus pés no destino da queda

após recuperar o fôlego
desenha uma vénia de abandono
como aqueles gladiadores derrotados mas que ainda assim escaparam à morte por um capricho de imperador

em que o polegar na balança do fado
apontou ao firmamento e não às catacumbas da existência

recolhe-se lambendo a alma combalida
hiberna de si mesma
e mil noites depois
quando enfim a madrugada termina e o sol ameaça despontar
faz-se à escalada
trepando de novo numa leitura invertida
verso a verso e estrofe a estrofe
subindo devagar até ao cimo

lá no alto
a paisagem mudara
o mundo era outro
nada nem ninguém fica indiferente após um poema