campo de visão

talvez ela queira que eu escreva sobre ela e de como suas mãos agarram os lençóis quando nos deitamos
ou como cerra os olhos no momento em que não aguenta um suspiro e estremece qual terramoto de pele 
talvez prefira que eu verse sobre sentimentos e lhe diga coisas como os voos de pássaros em manhãs sublimes e me declare para todo um sempre eterno e infinito
ou talvez queira que eu fale por palavras mansas e carinhosas que o amor é nosso e de mais ninguém e que o tempo tudo sara e que tudo se esquece

mas eu já só penso em textos de uma solidão desmesurada de mim e dos outros
sonho o vazio absoluto das poesias e as quietudes derradeiras de árvores que morrem de pé 
nada de pessoal
somente a sina de que são as palavras que me escolhem e nunca o contrário 
exatamente como o acaso ou outros inexplicáveis assuntos
anseio frases de um cansaço que já não suporto
como se o mundo inteiro se afundasse e eu com ele
um abatimento de sopros e de olhares
um poema tão denso de leitura impossível porque a última palavra colapsara sob o próprio peso e saíra do campo de

v
 i 

  s


   ã


    o

gomos de laranja fresca

eu estava um pouco afastado mas conseguia ouvi-lo
ele olhava-a e falava-lhe nos olhos
e os olhos dela eram grandes e sugavam-no por inteiro
ele dizia

teus lábios são como gomos de laranja fresca e eu passaria uma tarde inteira de sol sorvendo essa carne frutada
teu colo é um barco balançando no cais puro das madrugadas e meu corpo entregar-se-ia a esse doce embalar
o meu amor por ti nasceu antes de mim e para lá de mim

ela sorria como quem sorri ao ler versos numa viagem de comboio

eu estava afastado e ouvia
terminei a minha cerveja já morna e saí para a rua onde chovia