trémulo instante

amanhece sempre cedo demais
e as madrugadas expiram quando finalmente são a nossa casa

o êxodo dos animais noctívagos
expatriados da noite lançados às auroras inevitáveis da vida
e como vampiros padecem aos primeiros raios de sol, esfumando-se em vultos das rotinas, de volta aos grilhões da existência 

só os luares mais negros lhes devolvem liberdade

eles sabem que há que olhar o mar como quem olha um poço 
e perder-se nessa queda, despenhar-se na vertigem de um assombro 

como no amor
como na desilusão
como na esperança amarga de um escape

existe algures um lugar onde a noite se prolonga até ao infinito 
onde as promessas são promessas para sempre

onde distância entre os lábios não se altera, ficando ali no trémulo instante entre o beijo e sua intenção

passado

não se agarra uma emoção
ela é água

e semear solidões pacientemente
é uma arte que se perde em passado

e é sabido que num passado não se toca
ele é igual àquelas estátuas de sal e de areia que a lava de um vulcão calcinou e esculpiu
ao mínimo toque em poeira e cinza se desfaz

um passado é uma onda
rebenta e desaparece sozinho

il s'en va tout seul