nunca és tu que escolhes

a tua obsessão com pequenos desertos de papel por desbravar e uma sede imensa de silêncio a percorrer-te as mãos

ofegante, lanças-te em direção a um horizonte trémulo e esvais-te em suores lunares feitos de uma noite coada pelo lento correr das horas

a inquietação constante a murmurar nas esquinas
como o sopro subtil da criação
um murmúrio ditado numa língua desconhecida mas que faz sentido

eis-te, então, perante um dilema
rendes-te ou lutas?

por vezes rendes-te
por vezes lutas

mas de todas as vezes nunca és tu que escolhes

havia um jardim

sobre o amor ouvi contar uma história

que havia um jardim e o suave despertar de perfumes florais
que as manhãs se alongavam em luz e que num banco coberto por sombras
os amantes se encontravam

e era só isto
que quem seriam e o que se diziam nada se sabia

pouco importa
porque do amor já tudo se sabe
já tudo se disse
e já tudo se errou e tudo se acertou

do amor já tudo se culpou
e já tudo se perdoou

só os cenários mudam

e nesta história havia um jardim, um perfume e um banco onde eles se encontravam

Pequena trilogia do nada

1

Nada melhor do que uma trilogia para o regresso do silêncio. O sono profundo a que te dedicaste ultimamente tem vencido, dia a dia, a tua apatia perante as palavras. Continuas dedicado ao adiamento de ti. Esse marasmo que conheces desde os inícios, esse morno tédio do escoar do tempo que se adensa como um nevoeiro que não se esfuma nunca.

2

No entanto, tudo o que não escreves vai-se acumulando nos lugares secretos do universo. Textos órfãos do indizível. Pernoitam lado a lado com todas as promessas não cumpridas. É sabido que uma promessa que não é cumprida é o primeiro passo para a loucura. Quantos não sucumbiram face aos pactos quebrados com a derradeira honra de cumprir com a palavra dada? Não sei se um poema perdido não será também o princípio de uma queda. Talvez seja impossível vencer o combate contra o esquecimento. Mas, por outro lado, o que importa, se calhar, é, tão somente, o combate em si e o gesto definitivo de se tatuar versos no dorso da quietude. Confrontar esse sangue com o nosso sangue, pensar as feridas e as cicatrizes como testemunhos que ecoam para todo o sempre, qual vestígio de lendas. Isso, saber fabricar um rumor, um suspiro que de ser tão ténue, consegue escapar aos cataclismos incomensuráveis da eternidade.

3

Nada.