A janela

 

Pelas traseiras entrava o mar, quer em luz infinita de verão quer em negrume de inverno com rajadas de chuva e vento.
Pela frente era um outro silêncio a roçar a porta. E no quarto de cima, o dos avós, a quietude era tal que apenas o tempo o parecia habitar. Havia uma sombra do lado de fora da janela. Uma árvore. Essa árvore foi sendo várias árvores ao longo dos anos, substituída à medida que as raízes se tornavam demasiado profundas. Dizem que minha avó chorava cada vez que a removiam para lá meter uma mais nova, mais franzina. Na rua havia uma garagem cuja moldura foi baliza de futebol durante gerações. E a árvore subia até à janela onde a avó espreitava quem passava.
Foi há séculos. Foi ontem. Será para sempre.

dos cadernos


O teu deserto é feito de um outro nada, de uma outra solidão. O teu silêncio é sopro de outra cor e tecido. A imensidão dos nossos corpos cobriria o mundo inteiro como um manto infinito de penumbra. O tempo inerte, incolor.

dos infinitos regressos

Esgotaste as desculpas e todos os adiamentos possíveis mas existem inevitabilidades agarradas às palavras. Escreves, portanto. E isto de escrever é mais forte que tu, é, como dizem os franceses, "malgré toi". E sendo assim estás isento de responsabilidades, de moral e de ética. Mesmo até, isento de estética. Literalmente. Ainda bem.