O sol demora-se um pouco mais estes dias. Preguiça acima da linha do mar e do céu, embalado por uma nuvem ou outra vai caindo. Depois mergulha, afunda-se, desvanece. Ficam sombras de labaredas no firmamento até a noite cobrir tudo com estrelas e pássaros nocturnos. Há uma melancolia subtil nisto tudo. Há a possibilidade do silêncio infinito, do murmurar soturno das ondas e de outros segredos voláteis.
Cá dentro, sobre a cama, as linhas do teu corpo adormecido, esbatidas com as dos lençóis e o teu sono a rondar à volta. Vejo tudo isto, quieto. Os quadros nas paredes fazem o mesmo e o gato esgueira-se a meus pés. Há roupa no chão e livros por ler nas mesinhas de cabeceira, promessas adiadas e outras cumpridas já.
Passa um carro em velocidade lá fora, corta a noite como um bolero rápido. Volta o silêncio. O tempo em vagas vai passando e o teu corpo estremece ligeiramente, espreguiça-se e volta à quietude. Os quadros já dormem também. Apenas eu e o gato velamos. Até as palavras se calam, cessam, falecem. Estamos sós, que é o mesmo que estar com todo o universo.