Relembrar

Agora que já amontoaste silêncios suficientes, que escavaste espaços de nada no teu viver, que resvalou tempo, muito tempo desde as últimas palavras, podes, finalmente, regressar.
Tratas-te por tu, pois estás em ti mesmo, perto, íntimo. Não quer dizer que te conheças, mas pelo menos, reconheces-te.
Será uma boa altura para relembrá-la, a última que partiu. É certo que sorriso ecoa ainda à janela da casa. Que a rua onde atirava o olhar lá permanece. Que o quarto, no alto, mantém a mesma quietude e os mesmos jogos de sombra. Talvez o vinho se gaste um pouco menos. Os terços já não ajudam a tantas rezas. O passar o tempo sabe agora a saudade, carrega mais silêncio e menos avó. Mas é assim, já o sabias, é assim. Resta-te ser neto a cada momento e não esquecer que o és.