Terminei a leitura de "Quanto mais depressa ando, mais pequena sou". Livrinho a roçar a delícia. Mathea, viúva solitária, dona de um humor cuja a ingenuidade se mistura com sarcasmo, fechada sobre si mesma, suas memórias e suas manias. Recomendo. Ficam aqui algumas passagens.
Porque a natureza só está interessada na preservação e na continuação da espécie; pouco se importa com os indivíduos, e a natureza quer mesmo que os indivíduos vivam o menos possível, de modo que as gerações possam mudar rapidamente e a evolução decorra mais depressa, o que é uma vantagem na luta pela sobrevivência.
A última coisa que está na Bíblia é: "Digo a qualquer um que ouça as palavras de profecia deste livro: se alguém lhe acrescentar alguma coisa, Deus fará cair sobre si as pragas descritas neste livro." Assim, foi surpreendente virar a página e descobrir que tem um suplemento.
CONSIGO SER DIVERTIDA. Lembro-me de uma piada que inventei uma vez: "Já ouviste falar do homem que era tão magro que só tinha uma risca no pijama?", perguntei ao Epsilon. "Sim", disse o Epsilon. "É impossível", disse eu, "acabei de o inventar". "Não, tenho a certeza de que já ouvi falar dele, Mathea", disse o Epsilon. "Sim, tens certamente razão", disse eu. "Agora que penso nisso, acho que houve um artigo inteiro acerca dele no Nós acima dos 60." Típico: quando se inventa uma boa piada, acaba-se por descobrir que já se a ouviu antes. Ocorre-me que é mesmo assim.
Lembro-me de ler algures que o número total de pessoas vivas na Terra hoje em dia é maior do que o número total de pessoas que morreram ao longo do tempo, e pergunto-me quando será verdade o oposto, quando haverá mais pessoas mortas do que vivas, porque se fosse esse o caso, eu estaria, pelo menos, a ajudar a equilibrar a balança a favor dos mortos. Seria bom fazer a diferença. Neste momento, porém, estar morto é mais especial do que estar vivo, e pensei por vezes que imensas pessoas recebemmais atenção depois da morte do que alguma vez tiveram quando estavam vivas. Embora no meu caso eu vá receber praticamente a mesma.
Antes de dormimos, o Epsilon lia-me sobre desvios médios e intervalos de confiança enquanto eu segurava a lanterna. Pouco depois, eu e a lanterna estávamos fora de cena, mas tenho a certeza de que o Epsilon continuava a ler à luz da lua, e é bom ter alguém acordado enquanto se adormece.
TRICOTEI UM GORRO para mim, que é vermelho de ameixa com um padrão de buracos, pois achei que seria bom ter alguns buracos para arejar, agora que é primavera. Experimento-o e sinto-me um mirtilo na neve, e pergunto-me se me conseguem ver da lua. Eu e a Grande Muralha da China.
Olho para a água. Li, num livro, que perguntaram a um condenado como imaginava a vida depois da morte. "Uma vida onde posso levar comigo as recordações desta", respondeu ele. Acho que falou bem.
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