onde tudo se repete

Escondo-me nas sombras de uma esquina. Espio-te cá de baixo olhando tua janela iluminada. Metido dentro da neblina fina da noite, aguardo que venhas espreitar a rua silenciosa. Teu vulto deve passear no quarto, adivinho-o nos contornos das penumbras breves. Acabas por apagar a luz e fechar as cortinas, mergulhas de vez em escuridão. Aventuro-me uns passos fora, esticando o pescoço em vã esperança. Não será esta noite que te visitarei enfim. Talvez amanhã, talvez. Faço-me à rua, passo ante passo em direção ao amanhã onde tudo se repete.

O vício

Nisto das palavras o vício funciona ao contrário: é a ausência delas que faz mal, que vicia, que prende. Escrever é o difícil, é a recuperação, a limpeza. Há demasiado tempo que o silêncio me deita abaixo, me adia, me envelhece, me emudece.
Hoje recomeço, gravo mais uma promessa que espero definitivamente não ser vã, recuso a quietude e a inércia do papel em branco. Hoje escrevo uma palavra de cada vez. Amanhã, se não recair, voltarei e depois uma vez mais e assim até ao sempre, um dia de cada vez, letra a letra.