Borges

Ler Borges é um acto de loucura. A noção de infinito nunca foi tão palpável. No meio dessa queda vertiginosa pelo universo que se nos revela, nem tempo há para a total rendição. Não há tempo, ele já escoou todo para lá do agora... e repete-se ad eternum sempre igual, nunca igual, desdobrando-se nas inumeráveis possibilidades do que aconteceu, acontece e acontecerá, sendo que nem essas noções são precisas. Ler Borges é, finalmente, confrontarmo-nos com o desassossego de uma fatalidade, sendo que ela não tem rosto, não tem denúncia, e ela, no fundo, pode ser todas as coisas possíveis e todas as coisas impossíveis. Ler Borges é sermos transparentes e estarmos dentro de um cubo feito de espelhos.

a possibilidade infinita de todas as coisas

o gato dorme as horas da tarde que tardam em passar
tu velas essas horas
ao som de música cubana
foi a que te calhou hoje

escolhes palavras
evitando assim apanhares a roupa seca
e preparares a tábua

pensas na barba por desfazer
e concluis duas coisas

que nem a roupa se apanha e se passa sozinha
nem a barba se desfaz sem pegares na lâmina

curioso também é revelar-se
já no fim destes versos
que eles
tão pouco
se escrevem sem uma mão a fazer o frete
por muito que existissem já
na possibilidade infinita de todas as coisas

O limbo

Sendo que a literatura é a arte de mentir para revelar a verdade, não é menos certo que a verdade são mentiras reveladas. Andamos assim, no limbo. Talvez o limbo seja o que de mais concreto exista.

O tecido do tempo visto por um poeta

Olhamos o relógio e faltam cinco minutos.
Fica esse momento feito eternidade.
5 minutos que não terminam nunca.
Infinitos no tecido do tempo

Olhamos o relógio uma vez mais.
Foda-se!... passaram já 10 minutos.