mas aos poucos
sem ninguém se aperceber de verdade
essa gente foi tomando conta das madrugadas e das palavras
o resto de nós
acordou uma manhã e a poesia tinha sido sequestrada
não é fácil de explicar
mas de cada vez que alguém escrevia
eles e elas apareciam sem aviso
tomavam os versos e deixavam ameaças
quem insistisse
era levado também durante a noite
obrigado a escrever até ser dia e depois despejado num beco deixando para trás versos e palavras
estranhamente
não se sabia bem o que faziam com os escritos
mas cada vez mais
as caves dos prédios devolutos eram ocupadas por esses versófagos e suas vítimas durante a noite
vestiam fatos pretos camisas brancas enrugadas e gravatas negras com nós desalinhados
andavam em grupos de dois ou de três
só um falava
farejavam cada linha escrita e impunham uma vontade irrefreável
ei-los a entrarem-me em casa
pergunto-me em que beco acordarei amanhã