alto mar

e um mar de sombras
onde as ondas se elevam como crinas de cavalos selvagens
chegando a uma praia de luz
espraiam-se em línguas de penumbra desenhando silhuetas numa areia tão branca que julgamos ser feita de nuvem

e as tempestades nascem ao largo em vagas imensas que são elas próprias oceanos inteiros despenhando-se no céu mesmo junto à linha do horizonte
dobrando-a como uma corda de guitarra
e os estrondos que provocam são hecatombes em si mesmo
gerando outras montanhas de breu
escurecendo o sol
atenuando-o numa lua pálida por trás da poeira celestial

em terra
abrigado
assisto a tudo isto
e penso no que poderia sentir e eventualmente escrever
mas não sinto nem escrevo
e nesses nadas um outro cataclismo se ergue
mais imenso mais infinito do que aquele que vejo
há no marasmo do silêncio as combustões de todas as estrelas e galáxias
todo amor e toda a desilusão

e recordo o que li uma vez num sonho de uma mulher

talvez não te tenha amado em certos momentos em que te amava e talvez te tenha amado noutros momentos em que tu te apagavas
desses desencontros de há mil anos
semeámos a quietude que agora grita em alto mar

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