não era

adivinhei vésperas num olhar teu
como se o tempo por lá tivesse ancorado
e aí nos perdíamos num mar de afagos

faltam tardes lentas no meu corpo
e semeia-se um esquecimento por dentro
não do que acontecia mas dos sentimentos que sustinham o que acontecia
e assim a lembrança paira vazia como fantasma de um nevoeiro sem paisagem a encobrir

amnésia à parte
é o futuro que pretendo saber de cor
se o tempo desatracará
se ainda há correntes
e se por acaso
em marés longínquas um entardecer dura para sempre
como um abraço
se a paz de espírito reencontra o seu paradoxo uma vez mais
de se perder num outro rosto
de estremecer em vertigem tal
que todas as promessas somos capazes de cumprir em nome de um sorriso
que todas as loucuras nos parecem sensatas apenas para poder mergulhar num beijo
de acreditar que a entrega
a rendição
são a única forma digna de se viver

adivinhei madrugadas num poema que quase escrevi
fazia noite a cada verso
e o caminho fazia-se letra a letra
passo a passo no infinito de mim

pareceu possível por momentos
que o sol pudesse nascer
mas era cedo
era tarde
não era

2 comentários:

Anónimo disse...

Curioso. Escrever sobre o esquecimento é também um paradoxo - não fosse isso recordar e dar um outro uso à semente "amnésica" (recordar - do latim "re-cordis" = voltar a passar pelo coração).

Filipe disse...

Só agora vi o comentários. "voltar a passar pelo coração", curioso como, se calhar, os versos mais bonitos estão no dicionário!
Obrigado.