cartas, cadernos e fotografias

E a vasculhar velhas caixas reencontrei coisas velhas. Com pó e tempo e abandono. Fotografias, cadernos e cartas. Cartas que não cheguei a escrever, cadernos com versos envergonhados e fotografias com silhuetas aladas de gente que já não é o que é.

Das cartas o que não foi dito eram sobretudo coisas do amor, da ideia pura e dura de uma rendição total para com um outro ser, do estremecimento que é vermos um rosto da mais profunda beleza e de saber no corpo que um abraço não chega para carregar o peso de um carinho desses, que as palavras não sustêm tamanha vertigem e que somente, quem sabe, um derradeiro mergulho no olhar de quem se ama acalmasse o arrebatamento que nos rebenta na alma. Estas coisas são assim e não de outra forma, são cruas e inocentes e da verdade mais singela, como um dia de chuva após meses de sol ou como o último comboio da noite a partir da estação onde já ninguém espera ou, até, como um gato a esgueirar-se na esquina mais longínqua da rua mais deserta de sempre. Estas coisas são, portanto, mesmo assim.

Dos cadernos, os tais versos envergonhados, despem-se ainda mais e revelam a ingenuidade que os fez nascer, são somente carcaça da centelha que os desenhou, pois já toda a chama se consumiu na língua que os nãchegou a dizer. Ainda assim, foram o que foram e, de alguma forma, cravaram um eco no tecido do mundo e, porventura, tocaram um ou outro coração no seu tempo de gloriosa verve.

Das fotografias, pouco há a dizer sobre o que ainda possa viver dentro dos contornos dos espectros revelados. Mas sem duvida, que todos estes perfis e sombras e sorrisos e esgares e cenários, se petrificaram em água luminosa. Nessa aparente contradição reluz o testemunho de um passado finito mas ainda a reverberar pelo presente até se esfumar aos nossos olhos, como assombrações. Disto tudo fica um sabor a penumbra e a outono, não sei dizer de outra maneira.

Sem comentários: