Calhou de lá passar um rio

Lá voltei, pela quarta vez em formação pela Symington, a sorte de ver de tão perto uma das maiores esculturas do mundo. Torga disse que era a "beleza absoluta" e bastou-me ir lá a primeira vez para o confirmar, mas para além da beleza há todo uma outra coisa que eleva o Douro a um milagre humano sem paralelo. Porque paisagens belas, deslumbrantes, existem em cada canto do nosso mundinho, mas o Douro é diferente. Está lá a paisagem sim, trabalho dos milénios da geologia, mas há uma outra coisa por em cima, algo mais recente no calendário cósmico, há todo um trabalho do Homem a desenhar esse vale, a plantar teimosamente vinha e a fazer dela a custo de sangue e suor, vinho. E pensar-se no caminho percorrido nos últimos séculos, no avanço tecnológico aliado há mais nobre das tradições de viticultura e vinificação, na produção pelas mãos mais humildes das gentes durienses de vinhos bebidos em palácios reais e em restaurantes de luxo por esse mundo fora, perante tudo isso me deslumbro de cada vez que lá vou. Disse-o alguém: o Douro são pessoas, trabalho, xisto, vinha e vinho, calhou de lá passar um rio com o mesmo nome.