do primeiro mergulho do ano

na volta dos anos, no interminável regresso do apelo da água, do sol e do sal,
das vagas do calor que me inundam o corpo, do silêncio quente sob o zénite, das brisas rasteiras junto à toalha, dos olhares descansados que se lançam ao horizonte, seja ele o que está lá longe ou logo aquele que se distrai ali junto aos pés molhados,
dos passos leves rangendo a areia que pisam, dos gritos alegres dos mais pequenos que rasgam o ar de cima a baixo,
das rugas trilhadas sobre a água reflectindo a luz do dia e espelhando-a à nossa volta até ao mais fundo da alma
comunhão serena do espírito com o tempo que se nos escapa dia-a-dia,
o primeiro mergulho é o acerto do relógio profundo

Do sangue e da pedra


Do sangue e da pedra. No meu nome, bem no meio, vindo do lado materno, existe Rocha. Plantada assim entre o início do que me chamam e a herança paterna a rematar a graça. Assim, Rocha, bem no meio do Filipe e do Pinto da Silva. Rocha do Minho e do mar vareiro de Aveiro. Dos pescadores falarei um outro dia, hoje fico-me pela mineralidade minhota. Logo hoje, dia de solstício onde o sol se alonga um pouco mais do lado de cá, desenhando um ângulo perfeito por entre os menires lá mais do Norte.
A minha Rocha vem de terras húmidas e verdes, isoladas entre serras e matas, semeadas desses pedregulhos enormes carregados de nevoeiros místicos. Terra também de druidas, de celtas, de silêncios rasgados por uivos de lobos, pássaros solitários e ribeiras teimosas a cair em escarpas.
Rocha feita pedra, imóvel na aparência pois foi-se lançado pela eternidade dos homens que pariu nos princípios, ecoando agora em gerações que se afastaram, é certo, como eu, mas cujo sangue carrega esse calhau primordial, radical. Essa Rocha do início, do zero absoluto. Rocha etérea, pesando mil toneladas, viajou já milénios e muitos mais viajará ainda.

Sonhando com a paisagem sem horizontes


No teu imaginário, algures entre o sonho e o desejo, sempre esteve uma fuga para longe. Lançares-te assim para a solidão mais profunda através do embarque irreflectido. Partires para onde reina o silêncio e a água escura dos oceanos ou o negrume eterno do universo. Acomete-te a vertigem dos navegadores antigos e dos astronautas modernos. Há momentos intensos que acontecem dentro de ti, um chamamento, uma total entrega à imagem irreal de uma paisagem sem horizontes. Sim, isso, uma paisagem sem horizontes, banhada somente pelo infinito e pela paz derradeira da alma, da entrega, da rendição.