A herança

A herança é isto. Disse-lhe. Era uma sala ampla virada ao mar. À noite, no Inverno, se tiveres paciência, poderás ver os relâmpagos desenhados do céu ao horizonte, despenhando-se um atrás dos outros no breu. No Verão, até bastante tarde, verás as chamas do sol derramadas pelo firmamento até serem engolidas pelas estrelas e um manto negro de noite. A solidão nesta sala é de uma melancolia tenebrosa, causa-te vertigens que não sonhaste sentir.
Não sei se ela entendeu tudo mas isso não interessa. A sala era dela agora.
.

Sul

Rumo ao Sul daqui a umas semanas. Qual D. Afonso Henriques, embora com projectos diferentes. Primeiro será em terras algarvias, saber de novo o sabor a sal e sol tatuados na pele e, claro, na alma. Depois mais a Sul ainda, atravessar para terras magrebinas, conhecer paisagens berberes de onde há alguns séculos atrás, outros de língua diferente vieram a nós e nos moldaram também, e por onde os egrégios avós, se lançaram mais tarde. Aí levo comigo apenas suposições e todo um imaginário. O sol será outro e os ventos diferentes, se os houver.
Irei com os olhos que tenho e com as pernas que me carregam. Dos primeiros espero que estejam abertos, das segundas que não me falhem.
Do oceano e mar, montanhas e planaltos, gentes, fauna e flora que calharem se revelar, desejo estar à altura. Irei em paz. Do regresso, espero trazê-la de volta, mais forte ainda, desassossegadamente inabalável.
.

Lendo

 

Terminada a leitura de "Less Than Zero".

O relato de Easton Ellis data de 1985. Assustadoramente frio e cru, a história contada deixa-nos como as personagens: sem reacção perante episódios e pessoas tão violentas como sem qualquer referência moral ou ética. A dada altura, quando já nos apercebemos que os jovens adultos retratados, meninos e meninas ricas da Califórnia sem objectivos na vida a não ser ver MTV, drogas e sexo, são seres atormentados por um vazio que lhes corrói as almas. Das simples farras e apatia do dia-a-dia, mergulhamos num mundo onde a decência humana se prende, onde tudo se corrompe e se suja. O que perturba é que tudo isso acontece sem razões aparentes, num mundo onde nada falta, falta afinal tudo, a começar por exemplos de humanidade e de respeito próprio.

And in the elevator on the way down to Julian's car, I say, "Why didn't you tell me the money was for this?", and Julian, his eyes all glassy, sad grin on his face, says, "Who cares? Do you? Do you really care?" and I don't say anything and I realize that I really don't care and suddenly feel foolish, stupid. I also realize that I'll go with Julian to the Saint Marquis. That I want to see if things like this can actually happen. And as the elevator descends, passing the second floor, and the first floor, going even farther down, I realize that the money doesn't matter. That all that matters is that I want to see the worst.

The man comes out of the bathroom and tells me, "No music. I want you to hear it all. Everything." He switches the stereo off. I ask the man if I can use the bathroom. Julian takes off is underwear. The man smiles for some reason and says yes and I walk into the bathroom and lock the door and turn on both faucets in the sink and flush the toilet repeatedly as I try to throw up, but I don't. I wipe my mouth and then come back into the room. The sun's shifting, shadows strechting across the walls, and Julian's trying to smile. The man's smiling back, the shadows strechting across his face.
I light a cigarette.
The man rolls Julian over.
Waonder if he's for sale.
I don't lose my eyes.
You can disappear here without knowing it.

I leave the room.
Rip follows me.
"Why?" is all I ask Rip.
"What?"
"Why, Rip?"
Rip looks confused. "Why that? You mean in there?
I try to nod.
"Why not? What the hell?"
"Oh God, Rip come on, she's eleven."
"Twelve," Rip corrects.
"Yeah, twelve" I say, thinking about it for a moment.
"Hey, don(t look at me like I'm some sort of scumbag or something. I'm not."
"It's..." my voice trails off.
"It's what?" Rip wants to know.
"It's... I don't think that's right."
"What's right? If you want something, you have the right to take it. If you want to do something, you have the right to do it."
I lean up against the wall. I can hear Spin moaning in the bedroom and then he sound of a hand slapping maybe a face.
"But you don't need anything. You have everything," I tell him.
Rip looks ate me. "No. I don't."
There's a pause and then I ask, "Oh, shit, Rip, what don't you have?"
"I don't have anything to lose."

"Where are we going?" I asked
"I don't know," he said. "Just driving."
"But this road doesn't go anywhere," I told him.
"That doesn't matter."
"That does?" I asked, after a little while.
"Just that we're on it, dude," he said.
.

Lendo

 

Exemplos de como eu gostava de escrever.

 There's a pile of comic books on my desk with a note on top of them that reads, "Do you still want these?"; also a message that Julian called and a card that says "Fuck Christmas" on it. I open it and it says "Let's Fuck Christmas Together" on the inside, and an invitation to Blair's Christmas party. I put the card down and notice that it's beggining to get really cold in my room.

The man keeps starring at me and all I can think is either he doesn't see me or I'm not there. I don't know why I think that. People are afraid to merge. Wonder if he's for sale.

I don't like driving down Wilshire during lunch hour. There always seems to be too many cars and old people and maids waiting for buses and I end up looking away and smoking too much and turning the radio up to full volume. Right now, nothing is moving even though the lights are green. As I wait in the car, I look at the people in the cars next to mine. Whenever I'm on Wilshire or Sunset during lunch hour I try to make eye contact with the driver of the car next to mine, stuck in traffic. When this doesn't happen, and it usually doesn't, I put my sunglasses back on and slowly move the car forward. As I pull onto Sunset I pass the billboard I saw this morning thar read "Dissapear here" and I look away and kind of try to get it out of my mind. 

Bret Easton Ellis in Less Than Zero
.

Da inevitabilidade

Os silêncios adensam-se, já o disseste antes. Mas há sempre uma janela entreaberta por onde se esgueira uma brisa leve. Brisa essa que percorre as catacumbas do que não escreves de vez, abanando as folhas brancas, quietas e mudas das leituras que nunca foram. E é então que surge um rumor, um murmúrio quase imperceptível, cujo eco ainda mais ténue se dissipa pelas sombras, erguendo-se de dentro, subindo o poço da alma até se estender num formigueiro pelos dedos que teclam ou que seguram um lápis. Impelido por ele, vais desenhando frases, palavras, letra a letra, como um chamamento profundo. Do que disso brota nem sempre o entendes totalmente, mas parece-te inevitável, que é o bastante para o ser de facto. .

Do fim do mundo

Do fim do mundo.
 
Tiveste a sorte, dada a poucos, de teres pisado lugares limite. Lugares onde a terra acaba e o infinito começa. Claro que tudo isso é simbólico, que o fim e o infinito são noções tuas, presas à fragilidade do ser e a uma certa ideia romântica de que a aventura é tanto física como espiritual.
O limite de ti e dos teus passos é tentado pela alma, pelo salto final para lá da imensidão, antevendo em sonho outros limiares, outros penhascos, outros oceanos infindáveis.
Quando escreves é isso também que procuras, um sentimento de liberdade que te fará perfeito, como se a busca da harmonia fosse uma vertigem constante, um grito de eco imortal, rasgado muito antes de ti e que a tua voz quando nasceu, carregou e carregará até outro vir para o teu lugar.
.

Dos sonhos

Dos sonhos. Todo o sonho requer um palco, e à medida deles agiganta-se na nostalgia. Batalhaste aqui como se estivesses nos grandes estádios ou coliseus. A felicidade não é apenas dos ingénuos, é dos que inteiros são o que lhes foi dado ser.

Campo do FC Moorsel, Tervuren, Bélgica
.