A metáfora

Desceu à rua, como todas as manhãs. Comprou o jornal e foi sentar-se num banco de jardim. Do mundo as notícias de sempre, do jardim os pombos do costume. Às pessoas que passavam acenava subtilmente, algumas respondiam, outras, distraídas não. Para além do jornal, tinha sobre o banco várias frases cravadas na madeira, quer a tinta, quer a canivete. Um "amo-te Pedro" sobressaía entre outras literaturas mais ou menos legíveis. Sorte a do tal Pedro, ou não, que isto do amor tem que se lhe diga. Um pombo mais atrevido debicava-lhe o chão perto dos pés. Os pombos avançam no solo com as patas, obviamente, mas é o pescoço que lhes dá lanço, como soluços repetidos. Os pescoços dos pombos devem chegar aos ninhos cansados. Da rua um carro mais acelerado fazia um ruído rápido que abanava os ramos altos das árvores.
Recordou um amigo que lhe contara a história de uma metáfora. Um autor africano, cujo nome não se lembrava, escreveu a mais bela metáfora que lera, dizia o amigo. Se é certo que não se recorda das palavras exactas, e isso valerá e muito para se julgar da beleza da dita metáfora, só a ideia em si vale que se conte: Existe lá no país de onde vem esse autor, um tipo de árvore cuja sombra da folhagem é tão densa, que um homem, em pleno sol de meio-dia, deitado no chão ao pé do tronco, olhando para cima, julga ser noite e estar a olhar o céu estrelado. A ramagem é tão espessa, a sombra tão negra, que a única luz que passa, é uma pequena poeira de luzes ténues por entre as folhas, dando a impressão de estrelas no firmamento nocturno. Imagine-se, em África ao meio-dia, sob a sombra de uma árvore, julgando-se ser noite.
Levantou-se, regressou a casa.
.

Sem comentários: