Kalashnikovs

Entrar, não entraram. Mas sei que rondaram. O meu vizinho, um tipo gordo e mal cheiroso que não dorme de noite (nem de dia), disse-me, quando me encontrou nas escadas, que de madrugada viu quatro brutamontes de espingardas na mão, a espiar a rua, espreitando pelas janelas e arrombando caixotes de lixo.
- Espingardas? - perguntei.
- Sim, ou metralhadoras ou lá o que era. Coisas grandes, assim. - e simulou o tamanho com os dois braços.
- Seriam Kalashnikovs? - atirei.
- Isso, sim, daquelas dos filmes nos desertos e o caraças.
Agradeci-lhe a informação e regressei a casa. Ele ainda dormia. Pelos vistos, o susto de ter gajos de kalashnikovs atrás passara, ou, pelo menos, não lhe tirava o sono.
- Pá, acorda. Os gajos andam aí.
Estremunhou.
- A sério? E falaste com eles?
- Claro. Paguei-lhes um café e tudo.
- Não brinques.
- Não brinco não. Andam gajos de metralha na mão, à tua procura, provavelmente para te fazerem uns furos e mais a quem estiver por perto, mas eu não brinco.
Voltei a trancar as portas e as janelas. O dia ia ser longo.
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