Na teia

Vais caminhando com o teu silêncio que se adensa. A rotina é uma teia subtil de hábitos vazios. Vais-te enredando, enredando, enredando. E quando, devido a súbito espasmo de introspecção, te dás conta do emaranhado, verificas que a teia é bem mais resistente do que julgavas. Resta-te o múrmurio dos sonhos que vais queimando dentro de ti, mas é pouco. Dizes para ti, "acorda", mas estás naquele limbo em que sabes que só acordas se te lançares em queda livre.
.

Lendo

Depois de terminar Promessa do VF e antes de remegulhar em O Medo do Al Berto, li um pequeno livro que me ofereceram nos anos em Março. No café da minha juventude perdida de
Patrick Mondiano. Esta versão portuguesa perderá um pouco daquele toque parisiense que dever-se-á sentir no original, mas não deixa de ser uma leitura valorosa.

Vários personagens vagueam pela Paris dos anos 60, onde os cafés serviam de refúgio e de fuga. E todos torneam em volta de Loki, uma rapariga com um passado misterioso que parece encantar todos aqueles que a cruzam.

Estar tudo escrito, preto no branco, significava que tudo chegara ao fim, como nas campas em que estão gravados nomes e datas.

Pelo menos, não corríamos o risco de deparar com fantasmas. Os próprios fantasmas tinham morrido.
ps- ao lado do Al Berto, sobre o qual já muito tenho sublinhado e a seu tempo virá cá parar, decidi revisitar as Viagens na Minha Terra (custou-me um euro e meio no Jumbo)..

Prateleira

Compra, compra, compra, compra, oferta, oferta, compra, compra, compra, compra, oferta, compra.
.

Cohen

A letra, a música, e claro, aquela voz e aquela presença. Uma monumental e extraordinária música. Para ouvir de alma despida.

Encadear palavras

Encadeava palavras em blocos de notas. Não escrevia, que isso é uma outra coisa. Mas lá encadeava palavras. Umas atrás das outras. Fazia-o como quem joga numa lotaria, com a secreta esperança de que por sorte matemática, do encadeamento saísse poesia. Fê-lo durante anos a fio. Não teve sorte, o melhor que fez foi acertar um ponto final.
.

Inception

Fui ver o Inception. Interesou-me, claro, o desvendar do mistério, de saber no fim (e no início e a meio) se os personagens estavam "na" realidade ou "no" onírico. Mas o que mexeu comigo foi uma outra coisa. O sonho como refúgio. Refúgio real, passe o paradoxo. A simulação de um mundo, a fuga do que existe. Os loucos que falam sozinhos estão lá, no limbo. E nós, os "sanos", não nos enganemos, vamos a caminho. Quantos de nós simulam em frente ao espelho uma outra vida? Ou antes de adormecer, ou no autocarro, ou? As simples projecções do que poderemos vir a ser, ou do que gostaríamos de vir a ser.
.

Avó


Os mais belos 90 anos, a Senhora Dona Elvira, o monumento que é a minha avó. O segredo: pão e vinho, corpo e sangue de Cristo..

O atraso

O atraso começa seriamente a ser um tema recorrente. Vai ganhando forma, vida própria. Torna-se, por isso, inalcansável. No entanto, ao nomeá-lo, ao ficcioná-lo, posso, ao menos, expurgá-lo de mim. A responsabilidade deixa de ser minha. O atraso que me siga a mim, e não o contrário. Mas é mais fácil dizê-lo do que escrevê-lo.
.