Para memória futura

A lembrança mais antiga que tenho é da luz fatiada pelas persianas em casa da minha avô materna, entrando pela janela do quarto onde eu dormia. Seria de manhã, os feixes do sol cesgando o ar, turbilhando aquelas poeiras finas que a luz agita e caindo sobre as paredes floreadas. Lá de baixo subiam os sons de tachos na cozinha. Devia ter à volta de três anos. Muitas das recordações mais antigas brotam dessa casa, desde o quadro do menino a chorar à entrada, passando pela marquise luminosa, até ao pequeno quintal dominado por um pessegueiro velho. Recordo-me das escadas que subiam para os quartos numa espécie de veludo fofo. As escadas, dividida em dois vãos, tinha no patamar intermédio uma mesinha com o telefone. Lembro-me da sala de jantar que muito pouco era utilizada (jantava-se na marquise) e os seus armários com portas de vidro que mostravam louça que eu nunca vira a ser usada. Lembro-me do pequeno jardim da entrada onde cresciam jarros, essa flor que sempre me incomodou (ainda hoje olho-a e acho-a estranha).
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4 comentários:

João Paulo Nunes disse...

A mesinha com o telefone no patamar intermedio das escadas... Que eu me lembro de ver a amparar-te uma grande queda! Vi da primeira fila, só não me lembro se fui eu q te empurrei!

Filipe disse...

Se não foste, poderias muito bem ter sido. Bruto e arruaceiro como eras!

João Paulo Nunes disse...

Gostei do "como eras!"
Deixou me cheio de esperança para o meu futuro.

Filipe disse...

agora não te atreves porque sabes que não tens hipóteses no 1 para 1... (eu com uma cadeira e tu de costas a dormir...)